quarta-feira, 27 de março de 2019

Apostasia

Abjurar o próprio blogue. A própria idéia de (não) escrever. Tornar-se um shandy (acreditar que se é um). Rascunhar:

"Neste mundo, república de vento
Que tem por rei um acidente(...)"

Gabriel Bocangél (1603-58).

Encontrar reflexos e duplos: o dever do solitário encontra-se com a máquina celibatária. Desaparecer, explorando a sombra.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Experiências em 2015

Começa o ano de 2015. Retorno a este blogue para fazer algumas experiências. Como de outras vezes, não farei promessas nem de continuidade, abandono ou regularidade. Em épocas de Facebook, Twítter, Instagram e outros, fiquei pensando que aqui, na Bazófia, talvez eu consiga melhor me esconder do que me mostrar e arriscar algumas aventuras sem demasiadas preocupações críticas, como me incentivou Tatiana Machado, minha irmã impensável. A ver no que dará. Aos bravíssimos e reduzidos leitores antigos, digo olá e convido a virem novamente, reviver esta coisa antiquada chamada blogue (me lembro que quando criei a Bazófia, blogues eram o máximo).

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ana

Gostava não ter lido o blogue de que mais gosto de ler, aquele da Ana de Amsterdam. Tudo que quero dizer ela já disse (assim como tudo quanto quero pensar ou sentir, já está dito pelos autores prediletos – a mulher que amarfalha até extinguir a nenhuma forma todos os dias a minha vida, certa vez falou-me, na verdade repetiu frase batida, que Shakespeare já dissera o quanto havia a ser dito). Mas no caso da Ana o que me combali é o modo como ela arrasta as frustrações cotidianas, comezinhas, à lucidez clara e seca daquela beleza estética que só pode nascer das tristezinhas (defendi essa tese numa pobre crônica, aí para trás, quando incitava objetos a assoviar).

Ana me diz tantas coisas e eu acredito em todas elas. Me disse que não sabe o que fazer com a tristeza que se instalou nos seus dias e não há remédio (metafórico ou emplastado) que a cure, e asseverou-me que correr é bastante melhor do que ler e imensamente melhor do que escrever (não obstante Ana não tenha podido me convencer a deixar esta faina, fatigada, admito, que há de deixar-se por si mesma). Por isso, quando eu corro, penso no que Ana escreveu-me e não preciso, agora, pensar no que li ou escreveria.

Houve um tempo em que cheguei a julgar que ler os poetas e os romances que me botavam cabisbaixo, ouvir lá os adágios que me ensimesmavam, largar o tempo a observar, apoiado na parede, a chuva ou algum céu fossem as melhores práticas para enlear a tristeza resignada pela qual tenho tanto respeito e estima. Houve tempo, sim. Tempo em que eu acreditava até que as modalidades de coisas para aí citadas incitassem uma ainda maior vastidão do pensamento, como se purgar com música e letra fizesse a dor aumentar até ao ponto em que eu pudesse agarrá-la que nem coisa, moldá-la que nem barro, meter num pedestal a expô-la.

Esse tempo passou. Hoje as nesgas me bastam. O mínimo de qualidade de macaco ou passarinho é o bem-vindo. Hoje só preciso ler na Ana dois ou três textos, meia dúzia de imagens para que tudo esteja longe e vazio, e as coisas sem-sentido voltem novamente a ser apenas os reflexos óbvios (os circunflexos brancos, o silêncio na casa) da precariedade inútil da vida. 

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Mais uma volta

Torno hoje a este blogue. Entre as muitas ausências e as escusas de que me utilizei para justificá-las, creio ter sido a última o trabalho. Ou não, quem sabe? O caso é que importa pouco o que eu tenha dito (curioso isto: vem-se a um blogue a lê-lo e o escriba sugere importe pouco aquilo que ele mesmo escreve). Parei por não ter nada de importante a dizer. Ao que remete à pergunta óbvia: o que há para trás, isto e o que haverá para frente são importantes? Tampouco.

Saramago gostava de dizer que escritores que não são poetas quando escrevem versos é porque estão apaixonados. Eu, como não sou escritor, quando resolvo escrever (como agora voltar) é porque preciso me despedir. E preciso me despedir. Não sei dar abraço, não sei pedir desculpas, não sei dizer adeus. Na próxima semana venho com texto novo, mas ainda nesta pretendo publicar alguns que saíram para participar de uma rinha de contos.

Fui ao Houaiss (um alfarrábio de papel, sim, isso ainda existe) e descobri que a palavra despedida comporta o significado (não me surpreendi demasiado), verbo transitivo, ‘expelir’, ‘lançar de si’. Então segui adiante e encontrei “despir” que aceita um outro sentido que é ‘largar’, ‘abandonar’. Não faço conclusão nenhuma já que seria clichê juntar as coisas só porque foneticamente se aproximam, mas fiquei pensando que, na Bazófia, menos me dispo do que me despeço, mas que para me despedir vou precisar me despir, não aos  leitores, mas ao ecrã, para que haja algo que valha a pena ser lido. A Bazófia ainda não será um diário. Mas ao que parece caminha a passos largos para tanto.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Escusas, como sempre

Caros leitores (fiéis leitores, parcos leitores, condescendentes leitores, amáveis leitores), 

         tenho muitas desculpas pelo período de inatividade. A poupá-los de muita ladainha, vou tentar ir direto ao que interessa, e me explicar brevemente: amanhã publico o final do conto que se passa na África do Sul, "A cor das escovas-de-dentes". Inicialmente eu pretendia colocá-lo aqui em 5 partes, mas transformei em uma as duas últimas que faltavam, por dois motivos: as duas últimas partes já estavam escritas, faltando apenas serem revisadas para serem publicadas. Acontece que perdi minha HD e tudo quanto havia de informação nela (minhas fotos, meus textos, minhas músicas). Logo, tive que reescrever o que já havia escrito, trabalho do cão, pior do que escrever. O outro motivo é que surgiu um concurso de contos e pretendo enviar este de que falo agora para lá. O concurso tem um limite de espaço (quinze páginas em papel A4 em Arial 10, espaçamento 1,5, uma só face), de modo que, também por isso, fui obrigado a reduzir um pouco o tamanho inicial que eu desejara. Precisei, com isso, fazer algumas alterações nos capítulos que já havia publicado, cortando-os um pouco, para não parecer que o fim se torna abrupto (coisa que penso não ter conseguido evitar). De qualquer maneira, como é requisito do concurso que as obras apresentadas sejam inéditas em qualquer meio, vou, depois de uma semana, retirar do ar o conto em questão (bem como outros dois que estão no blogue e vou mandar). Depois de passado o concurso, recoloco este (e os outros) conto em sua versão integral, sem as divisões que inventei para deixar o blogue mais convidativo. 

Quanto aos motivos da ausência, são eles: trabalhei demais, enchi o saco, não tive tempo, problemas de bebida, saúde e remédios, queimou-se-me o notebook, fiquei sem internete, tive depressão, meu cachorro morreu, quebrei a unha do dedão. Peço desculpas, como sempre, contrito,e rogo que me expliquem porque diabos ainda continuam a vir aqui. Se é que ainda alguém vem. Obrigado, de qualquer forma, aos delicados e amorosos leitores que ainda, sob toda essa estupidez do escriba, fazem-me esse agrado terno de me ler, e me deixam quase feliz e com fé na vida. Até amanhã.

terça-feira, 17 de maio de 2011

UTILIDADE PÚBLICA

Na foto, Djinn de El Khaimah (o demônio).
Há um ser desprezível e vil, que se julga o centro do universo e crê que salvará a humanidade. Porque alguém lhe dissesse, então é diferente, e estando tudo errado, é ele o certo. É uma pessoa que imagina merecer muito mais do que tem e sempre espera, a cobrar do mundo desconcertado, os benefícios que não logrou êxito. Inteligência sutil, maior, mais limpo, mais belo, mais alto, exemplo explícito do que melhor pode haver. Assim crendo, quase se engana ou até: investe em arrancar elogios julgando merecê-los, retira-os aos mais ingênuos. Sobeja-lhe um certo lábio desenvolto e, então, o que deveria ser espontâneo e o não é, por não poder ser, assoma, e regozija-se, e pede mais agrados, assim por uns ou outros crédulos consegue-lhes a inverdade, quando não, dinheiro. 

Mas é a precisão de que necessita este torpe homem: “és belo, és sábio, és incompreendido, és o melhor, te não dão o valor que mereces, quando te descobrirem..., és tão bom que és humilde...” Há o exagero em seu pensamento, que nem impingindo conseguiu arrancar a outrem. Mas... Ah! Basta-lhe! Precisa de ouvir tudo isso! E ainda acha que enxerga, e crê que observa, e presume que encadeia, pensa que pensa, mais, mais e mais. Assume as farsas que criou: escreve, joga, estuda, compõe, cria, dedica, revela, ensina, demonstra, ajuda, perdoa, compreende, cobra, recobra, se indigna... e anda a fazer isso com tanta verdade que, pasmem, julga! Então, é pior, porque sai a julgar a tudo e a todos e se sente melhor ou se sente acima, no pedestal de mentira que ele mesmo erigiu. Não poupa ninguém, nem mesmo a si: quanta vileza, quanto asco me causa, pois se pode julgar a si próprio, passa à vista e sabe o que é e não toma em conta.

Assusto-me ao pensar que sabendo quem seja de verdade, e o quanto de mal está a causar a tanta gente, não se importe qualquer pouco que fosse. Meus colegas de cidade, acabo-me em pena (e torço pelo contrário) imaginar que um dia, por azar outorgado do destino, algum de vocês cruzou com tão torpe e vil e reles pessoa em suas vidas. Estejam atentos, denunciem, saiam correndo aos gritos. Acionem a polícia, a moral, os bons costumes e a sociedade civil organizada. Não descartem, inclusive, o uso de pedras e paus.

p.s - este texto foi originalmente publicado em 30 de março de 2007, o que só comprova que as coisas se repetem, nem sempre como farsa.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

O avô de uma amiga foi comandante do Rei Husseim da Jordânia

Peço, como sempre, contrito, desculpas aos meus parcos leitores por ter atrasado a data da Bazófia, mais uma vez. Fiquei duas semanas sem escrever, embora tenha escusas: a primeira quinta foi dor: de amor, de tristeza, de ausência, de isquiotibial, de futilidade, tanto faz; a segunda quinta seria preguiça, feriado, dane-se. Hoje, atrasei pois fui viajar a Rio Preto pensando que posso resolver coisas que não posso resolver, ainda que eu queira muito. Sem mais delongas, vamos à Bazófia de quinta, publicada na sexta, meus tão pacientes leitores (quando o parangolé começa com desculpas boa coisa não vem).
São cinco e vinte e três da manhã da sexta-feira. Acordo. Como o velho Hemingway (medíocre escritor, bom jornalista, curiosa personalidade), abro uma garrafa de Buchanas 12 (ele bebia algum bourbon fora das minhas posses). E vou tencionar escrever versos em que direi o contrário. Lá que se me parta a alma ao meio porque preciso publicar um texto na Bazófia, esta caridade que me faço todo dia como um gato que se lambe quando o dono (ou qualquer outro) o toca. Vou para lá. Escrever sem revisão à base de (que ocioso repetir os benzodiazepínicos, os isrs e a interação com o doze anos). Memória musical dos meus versos inúteis. Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse e não ficasse sempre defronte da tabacaria de defronte.
Certa vez me perguntaram, assim como quem não quer a coisa: "o que te faz feliz?" Respondi: " Nada. Não acredito na felicidade. Mas há momentos felizes, sim. Livros, minha cachorra, amor, alguns amigos etc: sou um homem comum, como me explicou Philip Roth". Não creio que o tenha respondido mal. Claro que cerceei a resposta como quem escreve um diário para a posteridade (não era Camus que dizia que a posteridade não existe?), mas o fato é que disse às folhas o que disse. Vamos em frente. A referência geral é ao Rubem Fonseca e o Diário de um Fescenino.
Eu não posso viver sem ar. Mas ninguém pode. Mas também não posso viver sem ler (que pedantismo mais ultrapassado na era da internete), música, Doutor House e correr. Na verdade me sinto muito melhor correndo do que lendo ou escrevendo (isto é plágio de Ana Cássia Rebelo). Manuel Bandeira me disse sempre, desde eu menino: tenho medo de ter medo na hora de morrer. Penso se o príncipe Hamlet pensou nisso e chegou à minha conclusão: não, não pensou. Se não sabemos nada daquilo que aqui deixamos, que importa deixá-lo antes? Seja o que for.
Sou dado a falar sozinho. Converso comigo o tempo todo, em voz alta. Isso, essencialmente, não vacila a minha convivência social já que em regra eu não tenho uma convivência social. E como  para mim a paciência nunca foi uma virtude, só me irrito se o garçon demorar na próxima dose (por sorte escrevo sob os auspícios benevolentes do tal de Buchanas. Então, sem dó, me fustiguem: tu és feliz, ó da patuléia? Não. Estou nu).
País de merda, e eu nem sou sociólogo. Por isso o que me faz falta é Slavoj Zizek e o seu conceito de excesso contemporâneo, que eu consigo, numa firula conceitual, alcoólica, ansiolítica e plagiada relacionar: alguém se lembra que Voltaire (que não se chamava Voltaire) disse que "ninguém encontrou nem jamais vai encontrar"?  Sinto saudade até hoje do Joaquim, do Traste e do meu pai.
O Manoel de Barros - se a diferença para o outro Manuel ficasse apenas entre um "o" e um "u" -  enfim, o não menos poeta Manoel de Barros dizia que o poeta é aquele que tem a habilidade de comparecer aos próprios desencontros. Lá ser poeta em Praga, é o único lugar que tenho verdadeiramente vontade de me encontrar. Paris, me perdoa mas eu já te conheço, e você anda ficando suja (assim me disse a culpada de todo este sofrimento).
Ando cheio de arrependimentos. Aliás, minha vida é uma sucessão de erros, más escolhas, confusões, de modo que pode até haver esperanças, mas certamente não para mim (isto é Kafka). Eu não trabalho em nada e não quero fazer produzir nada, tiro meu sustento de coisas inconfessáveis. Perguntar-se-ão: qual a relação com o assunto do mesmo parágrafo? Responder-lhes-ei. É óbvio, a culpa me puxa para trás.
Pode parecer piada, mas há uns incautos (me ajuda Amílcar Bettega Barbosa, só pode ser piada que a gente exista e que nos vejam) que me perguntam se sou rabugento, se gosto do meu jeito "impar" de ser e eu fico moído pensando que essas pessoas estão infelizes, desempregadas ou muito felizes e empregadas (ou ricas). Todos os trilhos vão dar no matadouro e por mais que de cinema quaisquer de vocês entendam, todos sabem que esta é a única sessão. Evoé Ascher. Nelson Ascher, o leiam, eu imploro rojado aos seus pés meus parcos leitores (já não sei, neste parágrafo se são dois ou apenas um).
Ontem me perguntaram, em primeira pessoa, qual era a minha frase predileta no momento. Como eu manco, achei conveniente não zombar de quem crê que há predileção momentânea em questões existências (claro que há, mas só há uma resposta, o que torna a pergunta um falso silogismo). Dizia, perguntaram-me qual a minha frase do momento e eu não titubeei: "Ninguém encontrou nem jamais vai encontrar, do Voltaire" (já citada acima, que enfadonho). Cinco segundos de silêncio e a réplica: "Mas o que você procura?" A blague foi tão forte que fui obrigado a ser pernóstico (como meu novo e grande amigo Guile ousou me chamar): "é mais tarde do que supões", de uma das poetas mais lindas que eu conheci. Hilda Hist. De qualquer forma, kids, é inútil procurar.
O meu maior problema, incomparavelmente com as dissonâncias familiares, as complicações financeiras, os percausos da saúde, é que acho que fui uma criança enjeitada. Papai não tem culpa. Embora odiasse o fato de eu ser muito bom em futebol (coisa que meu avô materno adorava - eu gostei dele menos do que podia, culpo-me, também) ele (pai) me  incentivou a conhecer muitas coisas (o que, infelizmente, e não por culpa dele (pai) chama-se Pindaíba, km 145 da Rio Preto-Matão).
Eu queria ter as seguintes qualidades: compromisso; justiça; compaixão (embora não saiba como usá-la); gratidão (sei muito a quem devo, mas sou canalha e não pago nem com sorriso, um único sorriso, mamãe); humildade (tenho vontade de rir quando penso em tentar ser humilde); simplicidade (boa questão, é incrível, mas sou simples); tolerância (rá. Eu não gosto de judeus, armênios, palestinos, árabes, brancos, pretos, calvos, estenógrafos, militantes, açougueiros, livreiros, seguradores, pintores de parade (me avô materno foi), quitandeiros (me avô materno foi); ETs; empregados domésticos, funileiros, cientistas, apresentadores de palco, maquinistas, pintores, romancistas, práticos (isso dá uma grana, deveria repensar); dentistas; engenheiros; médicos; agentes de viagem; José Saramago, o primeiro teste foi no Ano da Morte de Ricardo Reis, chovia em Lisboa.
Chove em Lisboa, a noite acabou e nenhum auto passaria sobre o meu corpo. Não acredito que estejam aqui na próxima quinta(?). Sinto por todos ( que vierem, é claro).

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Quanto será preciso dizê-lo?

(em virtude da inesperada repercussão desse texto, fui obrigado a colocar este breve prólogo para explicar que em literatura - não que eu ache que faço literatura - autor e personagem, autor e narrador em primeira ou terceira pessoa não se confundem. O que vai abaixo é uma ficção, uma história, uma invencionice. Sugiro a todos, depois da leitura - ou mesmo antes - que entrem no link acima onde explico mais pormenorizadamente o que é a síndrome de Zuckerman que leva o leitor a confundir no texto personagens e narrador com o autor. Vou deixar o link aqui também:  http://julianomachadobazofia.blogspot.com/2007/12/sndrome-de-zuckerman-um-mal-que-ataca.html









Voltei a pé. Havia apenas uma poalha que, ao contrário de incomodar, me ensinava a colocar as mãos para dentro dos bolsos da calça e encolher o corpo, como se sentisse frio, mas não sentia, não ali. O frio, o vento e a chuva estão sempre cá dentro em algum lugar que eu não consigo identificar (mas porque tenho córtex pré-frontal, não sou tão ingênuo, e o romantismo soaria tolo neste momento, então sei que é na cabeça). O enterro foi sereno, triste como todo enterro, banal como todo enterro. Uma pessoa querida, pai de um bom amigo, a família, consternada, chorou muito. A morte não me abate. Mas a vida (não nessas ocasiões, mas em todas as outras) sim.  Considerei digno da parte de deus deixar o dia nublado, um vento frio (eu não sinto frio, mas estava um fiozinho aconchegante) e a garoa tão fina que parecia que alguém tentava chorar, mas sequer podia fazê-lo. A morte sempre será um problema dos vivos, os mortos não têm problemas.

A minha perda foi anterior e a evidência da perda há dois atrás. Mas eu sabia que perderia. Neste caos que se tornou a minha vida, tenho a obrigação de saber, de antemão e com consciência resignada de que serei derrotado. A minha metáfora falsamente kafkiana (eu sou uma fraude) é a da corda-bamba.  A Marlene gosta da expressão "fio da navalha". Eu acho que cair, como sem dúvida cairei (e já caí muitas vezes, o sofrimento quando é novo, é até divertido, e o itabirano maior me contou, ainda eu menino, que isso o divertia no espírito) é pior do que se cortar. A dor não me assusta, me assusta ter de levantar dolorido e meter-me a tentar me suster aqui no alto, com o baraço a se mexer ininterruptamente (um Prometeu frangote).  A absoluta consciência da derrota e da perda não fazem delas menores, nem menos humilhantes, antes demarcam com violência o estado de vazio, a abstenção do olhar.

Pouco percebi do caminho. As inclinações e sujidades do passeio, as pessoas no sentido contrário (estou sempre na contra-mão, ainda que ande pela mão dupla), os cães existindo, o barulho dinâmico da cidade não me tocou. Só sei que eles passaram por mim (ou antes eu passei por eles – a diferença é enorme) porque não é a primeira vez que desço à vila nestas condições e já houve melhores momentos em que me permiti ver, reparar, sentir o que estava em volta. Como o remédio de dormir que já não faz mais efeito, talvez o meu olhar esteja se tornando gris, e o baixo-relevo aqui é imagem para o rés-do-chão (não sento no meio fio porque não me apetece, não que tenha horário ou compromisso a esperar), mas hoje prefiro o silêncio. Cheguei em casa, e fui ler o que havia escrito, o emeio em que contei quem eu sou, de fato, sem piedade e sem dar margem a qualquer confusão, ainda que você goste de mim.

Admitir para si mesmo o fracasso pode ser, em algumas situações, o passo para transpô-lo, para reiniciar, para intentar um novo projeto. Li isso em algum livro de auto-ajuda. Porque é tudo besteira. O caos que a vida é não está interessado em boas intenções e se isso não fosse o bastante, a culpa é minha, toda minha. Tive os meios de não me tornar no que me tornei e perdi as oportunidades uma a uma como quem se serve de um doce pensando que ele nunca vai terminar. A verdade é que minha história é, como lhe contei, uma sucessão de erros e más escolhas, a sempre presente mania de comparecer aos meus próprios desencontros, de modo que fui obrigado a dizer-lhe que não existem desculpas nem perdão, muito menos qualquer esperança para mim.

Eu sei que deveria ter-lhe dito o que escrevi em sua frente, olhando nos seus olhos. Não creio que isso fosse impedi-la de ir embora, como de fato não impediu, mas ao menos eu teria sido honrado o suficiente mostrando o exaspero pelo que eu sou é sincero. E por isso você está freqüentemente em outra cidade (não importam as distâncias – a distância é sempre apenas uma). Eu jamais poderei ir ao seu encontro, a não ser eventualmente e isso, por si só, me humilha como se eu fosse um bicho sujo que rasteja, e lento, só pode andar poucos metros por dia. Não é bem uma metáfora, é uma impossibilidade logística e como toda coisa ridícula da qual tenho medo e vergonha, apenas uma repetição. Dizer, à la Caio Fernando Abreu, que cheguei ao meu limite, que não sinto gozo ou tormento, que os olhos não vêem é de uma covardia que nem eu vou alcançar desta vez.

Eu fico parado em frente ao ecrã do computador. Giro uma página, giro outra, leio um blogue de que gosto, passeio pela rede social. Tomo um livro, leio-lhe vinte páginas, torno ao jornal e vou finalmente varrer o quintal. Aquela poalha da manhã transformou-se numa enorme bátega, com ventos cortantes que desfolharam a árvore das traseiras da casa. Tudo isso enquanto lia aqui, e aqui escrevia este texto que pretendo publicar em meu blogue. Há na tarefa que farei daqui a instantes algo muito peculiar que é transformar a tristeza latente em resignada. Como? Geometria. Acomodarei os montículos de folhas separados em formas geométricas nos grandes quadrados de concreto que estão para além dos assimétricos e não-lineares tijolinhos que formam a cerca que delimita o jardim.  Posso tentar, se quiser, antes de meter para o saco de lixo as folhas que "irremediavelmente sobejam no quintal" espalhar num dos quadrantes e procurar, quem sabe? algum padrão fractal estatístico. É faina que ocupa a cabeça não ao ponto de esquecer todo este desencontro em que nos metemos, mas para... eu já expliquei (preciso me lembrar de que já te disse o que tinha de dizer pela internete – ao invés de ao vivo – e que este texto é para os pobres leitores do meu blogue, e não para você. É, eu tenho um blogue, um blogue que você lê. E tenho pouca coisa além disso.

Há uma saída que implique em, além de aceitar que não possuo meios materiais de acompanhá-la, dê conta de que é pouco provável que uma personalidade melancólica de crisalha venha a cantar como um japiim? Posso considerar que tirar a barba, cortar o cabelo, arrumar um emprego de entregador e pedir que diga à sua família que eu vou daqui para adiante crescer como nunca antes se viu mudar o fato de que, a despeito de tudo isso (que não é verdade, nós todos sabemos) ainda continuarei a ser descrente, desinteressado e sem compreensão do sentido geral das coisas? Penso num grande feito: ficar muito rico, escrever um livro, salvar uma criança num prédio em chamas, descobrir um esquema de corrupção na merenda escolar, a resolução de um teorema matemático daqueles que valem milhões (novamente ganhar dinheiro), e tudo isso me soa vazio como, ao voltar da varreção do quintal, ir ler Hamlet ou Fernando Pessoa ou até mesmo Freud. Sabe por quê? Porque a permanência não está em parte alguma (e como sou desprezível mas não mentiroso, cito que esta frase essencial é de Rilke e não minha). É por isso que não peço mais para ficar e espero que você vá, ou melhor, que continue. E peço aos leitores deste blogue que me perdoem o estilo confessional de um texto que não sabe o que é, e que procurem outro blogue para ler, este vai acabar pois já acabou faz muito tempo.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Livros

"Ai que prazer
Não cumprir um dever
Ter um livro pra ler 
E não o fazer!
Ler é maçada.
Estudar é  nada(...)

(...)Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma(...)"

Fernando  Pessoa in "Liberdade"




Tuberculose

Tomei contato com a obra de Critovão Tezza em meados de 2009, ano em que seu livro "O Filho Eterno" açambarcou todos os prêmios possíveis em língua portuguesa (o que rendeu ao autor além de fama e reconhecimento uma considerável – considerável mesmo – quantia em dinheiro). Encantei-me pelo livro, e em conseqüência pelo escritor, de maneira que lhe fui ler outras obras.  Num dos livros que campeei, "Trapo", história de um jovem poeta que se suicida (não atrapalho a leitura de ninguém, isso é dito na primeira página do livro), achei lá um trecho em que o protagonista deixa escrito que lhe falta uma tuberculose. Batata: lembrei-me que, também adolescente, metido a escrever versos (não bons como nos faz supor o narrador do livro do Tezza seriam o do poeta suicida) também pedia, num poemeto pacóvio, um lustre e uma tuberculose (o lustre tinha que ver lá com o tema do meu poema e é absolutamente desnecessário citar aqui). Imagino que nove entre dez adolescentes que foram razoáveis leitores em suas épocas de colégio (e razoavelmente tristes também), escreveram versos e pensaram em tuberculoses e nos poetadas malditos, Alvarez de Azevedo da vida. Então, achar aí alguma grande coincidência literária seria ingênuo, o que não fez da leitura e da comparação menos gostosa (pô, fui um adolescente metido a poeta e triste, e queria ter tuberculose, cara!). Deixo a dica de um excelente escritor contemporâneo: recomendo vivamente Cristovão Tezza nos livros "O Filho Eterno" e "Trapo", ao menos.

Altura

Na última terça-feira li na Folha de S. Paulo uma interessante matéria a respeito de um rapaz, morador de rua em São Paulo, que por medo da violência (ele se refere ao menos a dois episódios marcantes, quando queimaram sete mendigos na Sé em 2004 e da execução de cinco moradores de rua no Jaçanã em 2010 – pausa: Por que diabos Adoniran Barbosa diz na famosa canção "moro EM Jaçanã, se eu perder esse trem..."? Não sou paulistano, mas estou muito enganado ou se chama o bairro aí por no Jaçanã?), retomo. André Luís Rodrigues Agusto, 23 anos, analfabeto puríssimo, como ele mesmo se autodefine, resolveu morar a seis metros de altura do chão numa figueira-branca no centro da capital. Embora não se sinta exatamente feliz por lá morar, diz que a altura não o incomoda, que as pessoas embaixo falam com ele, suas namoradas sobem na árvore à noite, mas que, obviamente, pretende ainda mudar de vida "porque ninguém quer morar numa arvore pra sempre".
Acrofobia. É nome que se dá para quem tem medo de altura. Eu tenho, muito. Não chego perto de para-peitos nem de sacadas de prédio. Cenas em filmes e pessoas em locais altos e desprotegidos me causam mal estar grande. A ciência não explica perfeitamente o porquê, mas pode ser algum trauma de infância, embora haja uma linha de pesquisa ainda bem inicial que relaciona à um problema genético, uma certa alteração que se verificou em pessoas com medo de altura (em Portugal chamam graciosamente a essas pessoas de sofredores da atracção do abismo). É claro me lembrei de Kafka. E fui ao conto preciso, assim que terminei de ler a matéria. "A Primeira Dor", do livro "Um artista da fome/A Construção". Nesse conto o protagonista é um trapezista que, para aperfeiçoar infinitamente sua arte, vive no trapézio. Nunca sai de lá. É apenas abordado pelos que trabalham nos reparos das estruturas superiores do circo e por outros trapezistas menores a quando do espetáculo. Não vou contar o resto para não estragar a história, mas a patente diferença entre a metáfora kafkiana da solidão relacionada à altura e a incompreensão de quem não vê o outro fica evidente como o paradoxo dos moradores de rua: no chão, deitados, são parte da paisagem da metrópole e nem notados, quando um subiu na vida, foi visto e saiu até no jornal. Recomendo vivamente a leitura do livro do Kafka e desse conto em questão, para que saibam que fim toma o nosso herói trapezista (do nosso herói da figueira duvido que ouviremos falar novamente). Em tempo: no mesmo dia, o jornal publicou matéria em que pesquisas indicam que a aplicação de cortisol em pacientes em tratamento contra fobias (sobretudo acrofobia) tem resultados porcentuais muito melhores do que o grupo de controle tomando placebo, como se o cortisol servisse para ajudar a concentração do cérebro para aprender a lidar com a fobia.

Comuns

Essa literatura feita de homens comuns, de gente ordinária, me interessa sobremaneira. Não é uma crítica aos clássicos, aos Hamlets e Odisseus, até porque venero os clássicos. Mas há ótima literatura (até nos clássicos) tratando a gente ordinária e colocando a vida em seu devido lugar: passageira, tênue, precária e breve. Se considero banal que um jovem escreva versos quando triste na adolescência e digo que eu mesmo passei por isso, se trago ao nível da percepção do isolamento e da inadequação um morador de rua que escolhe uma árvore para viver, se trato um trapezista maluco como apenas um solitário sem par é porque somos homens comuns, tentando sobreviver em meio à "opacidade do mundo". Quando esses meninos envelhecem, ainda continuam banais.
Philip Roth escreve um belíssimo romance chamado "Homem Comum" em que descreve e destila a vida de um sujeito absolutamente normal, imerso num cotidiano cercado pelas mazelas do dia a dia, as frustrações das más escolhas, as pequenas felicidades e tudo quanto forma a vivência de todos os dias. Roth se concentra, na verdade, na velhice.  Mesmo durante a juventude da personagem, o questionamento sobre a existência é um totalizante mal estar quanto ao fim inexorável da vida. Mas Roth vai além. Explica como a velhice não é uma batalha, mas um massacre, e um massacre que tende a se tornar solitário (como melhor ainda explica Norbert Elias em "A Solidão dos Moribundos"). Recomendo vivamente a leitura de "Homem Comum", de Philip Roth.

Morte

Quando forem ler o livro de Philip Roth, na primeira página encontrarão a descrição de seu enterro. Portando nada estrago dizendo que ele morre. Assim como em "A Morte de Ivan Ilitch", uma estupenda novela de Tolstói (na qual não tenho a menor dúvida Roth bebeu para escrever seu romance), pelo título nada atrapalharei a quem for se aventurar a ler dizendo que Ivan vem a falecer. Ivan Ilitch é um homem desprezível e banal. Mas enfermo, passa a reparar em coisas que antes não prestava atenção. Aqui se trata de notar que  diante da fragilidade da existência (a tuberculose e o suicídio dos poetas, a solidão dos esquecidos, o massacre acachapante aos idosos) é o momento em que nos tornamos ainda mais parte de uma coisa só, mais comuns, mais banais, mais atados ao medo ontológico que nos define, e então conscientes do quão ingente é o caráter transitório da vida. Não vou contar as mudanças ou não mudanças na atitude das personagens todas descritas na hora de morrer (exceto nosso amigo da figueira que ainda deve – saberá deus – estar vivo), mas dou uma dica para Ilitch: Tolstói ainda não era um benevolente e recluso pastor de almas como foi ser no final de sua vida. Recomendo vivamente a leitura da novela "A Morte de Ivan Ilitch" de Liev Tolstói.

Rir

Euclydes da Cunha, embora tenha sido quem foi, se sentia um homem ordinário e dizia: "nunca perdi este traço de filho da roça que me desequilibra intimamente ao tratar com quem quer que seja". Apesar de tudo quanto produziu, Euclydes sofreu com as pequenas coisas comezinhas do cotidiano avassalador que assola a todos nós e sua morte foi, dizem-no muitos, mais um suicídio do que um assassinato (morreu num duelo com o amante de sua esposa). Só como curiosidade, seus parceiros, incentivadores da república, Raul Pompéia: também se matou; Silva Jardim: acreditem – caiu dentro do Vesúvio. Manuel Bandeira dizia "tenho medo de ter medo na hora de morrer". Alguns têm, outros não terão, isso mais nos afasta como homens comuns do que nos aproxima. O que, então?
Bergson nos ensina que "o riso de si mesmo é capacidade somente humana" (eu acrescento: o jacaré chora, por exemplo).  Bakhtin e Freud disseram cada um a sua maneira que o riso zombeteiro pode enfrentar a dor e a obscuridade de encarar a morte. E por fim, recentemente, o Roberto Damatta retomando outros grandes contou-nos que o riso ou rir dos poderosos, dos políticos poderia ser aquilo que como a morte nos coloca a todos como seres humanos comuns. Há um poeta de que cada vez gosto mais que se chama Nelson Ascher. Contemporâneo, vivíssimo e em plena atividade, publicou seu último livro de poesias em 2005. A poesia de Ascher é irônica sem ser cínica e nos convida, sabendo que "todos os trilhos vão dar no matadouro", a olhar para o fim silencioso e brutal com a única das armas possíveis: o humor. A sátira, então, para estes pensadores e para o nosso poeta seria a maneira de lidar com a banalidade da vida e com a conformidade de que todos somos, de alguma maneira, comuns em momentos pontuais de nossas vidas. Ao final, o que eu pretendia dizer é que não há respostas para perguntas que se refiram ao sentido das coisas e da existência humana, que a vida é miserável e comum, mas que ao menos podemos aproveitar para ler uns bons livros enquanto ainda nos resta a visão e um tempinho cá na Terra (que como tudo, vai acabar também). Recomendo vivamente a leitura de "Parte Alguma" de Nelson Ascher.

"O FILHO ETERNO".  TEZZA, Cristovam, Record, 2009.

"TRAPO". IDEM.

"UM ARTISTA DA FOME/A CONSTRUÇÃO". KAFKA, Franz, Companhia das Letras, 1998

"HOMEM COMUM". ROTH, Philip, Companhia das Letras, 2006

"A MORTE DE IVAN ILITCH". TOLSTOI, Liev, Edições Saraiva, 1963

"PARTE ALGUMA". ASCHER, Nelson, Companhia das Letras, 2005.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Poesia?

ALITERAÇÕES E DUAS ONOMATOPÉIAS NO TRIGAL 


                                                                  a Tatiana Machado

O debulho de existir 
É auto-debulho 
Eu não sou trigo 
E no entretanto trago o cigarro apagado 
Se um dia o for tragar 
Será possível torrar o trigal amarelo 
Com o fósforo do devir. 

A existência precedeu a essência 
Porque a essência nunca se decidiu em ser 
O que vem depois do nada é o estampido 
Pois não se morre estalando os dedos 

Certo estou de não ser trigo 
E de que é auto-debulho buscar a essência 
Sem maneira de a ter. 

De mais a mais 
Na triga existência táctil de projétil e aleurit(o) 
Sempre pode o estampido 
Valer pelo ceifar da colheitadeira. 

Zlapt! Stuumm! 

                                                                         junho de 2004.

terça-feira, 22 de março de 2011

On line

Ferreira Gullar hoje e Fernando Pessoa antes diziam que o sujeito nasce poeta (conceito ao qual se opunha visceralmente João Cabral De Melo Neto). Como eu não sou poeta e não espero uma epifania em dezenove minutos (tempo que me resta para postar algo na Bazófia antes de a quarta-feira chegar) que vá me salvar de, além de falsário, seja um descompromissado com meus assíduos nove leitores (andei progredindo, me lembro de anteriormente citar entre quatro e cinco), vou tentar uma experiência nova. Nova não do ponto de vista contemporâneo, porque tudo se faz on line (odiosa expressão), todo mundo se conecta, conversa e se expõe pelos twítters, facebooks, msns da vida, numa simultaneidade que, embora não saia de um bairrismo virtual (isso será tema de crônica futura), não deixa de ser algo extraordinário. Então vamos à proposta: a Bazófia desta terça-feira, agora dezesseis minutos para a meia-noite, será feita interativamente, com quem estiver ao vivo nos meios virtuais comigo (no quarto estou só de fato, apenas ouço, ao longe e ao largo, os latidos da Nua, minha border collie manca). Se não der certo, começo de novo, do zero ou do nada, com a data afixada em terça-feira. O compromisso aqui é com a pontualidade e a palavra do escriba, não com o senso estético, a verdade ou a felicidade prazerosa dos possíveis leitores, esses exigentes seres que me açoitam (agora são doze minutos para a zero hora do dia 23 de março de 2011). Não adianta me dizerem que encho lingüiça, é óbvio. E aqui embora não fujamos, fingimos que.



Pronto, já está lá. Postado às 23h50min. Agora, qualquer reparo, acerto, correção ou adição que eu faça no texto, o blogue acatará como termo inicial o horário da postagem primeva, o que me faz não ser um mentiroso (embora eu esteja aqui justamente comprovando que estou sendo fraudulento com meus leitores). Acabo de receber uma sugestão sensata: que tal se mudasse o dia de publicação da Bazófia para a quinta-feira, ao invés da terça. E me perguntam porque afinal eu escolhi a terça-feira para o dia de atualização do blogue. Vou contar esta história, ao vivo:



(Agora falta exatamente um único minuto para a meia-noite) Eu escolhi a terça por três motivos básicos: motivo número a) quando, há anos atrás, publicava uma coluna no jornal "O Imparcial" de Araraquara, ela saía (por puro acaso), nas terças-feiras; motivo número b) Há um texto, que eu considero importante para o meu desenvolvimento como pseudo-cronista que se chama "Terça-feira"; motivo número c) eu cria, sinceramente, que aos domingos teria mais tempo de produzir um texto que poderia ser revisto na segunda-feira para sair logo à manhã da terça.



Tudo que vem agora, é sacanagem da grossa: meia-noite e três minutos marca o relógio do meu notebook. Nesta altura haverá quem esteja invocando o tríptico do príncipe Hamlet: "words, words, words", mas eu respondo com Camões e o velho do Restelo, invocando a invocação para dizer que me deixem tentar, oras: "quem inventou de colocar vela tão grande em lenho tão frágil?". É o risco da aventura a que me propus (mas só porque não tinha outra alternativa). Mas por favor, quando pensarem que os leitores que virem este texto amanhã, inteiro e pronto, acharão uma porcaria ridícula cuja intenção não servirá de nada, já que a simultaneidade a que me proponho não será mais verificável, mesmo assim, não me olhem assim, só as crianças pobres e famintas merecem compaixão.



Alguém me avisa que preciso explicar por que, então, não mudo para outra data. E eu digo: vou mudar. Às terças-feiras não poderá ser. Não escrevo aos fins de semana, a segunda-feira é o dia dela que mais me reserva surpresas e a terça-feira é do Carlos Heitor Cony, como já escrevi textos e textos abaixo. Então tive uma idéia (esta minha mesmo): que tal se eu passasse a escrever às quintas-feiras? Sugiro às quintas-feiras porque minhas quartas são reclusas absolutas à leitura e inútil faina do xadrez, de modo que posso me organizar, caso nada surja de preparado nos dias todos anteriores, a ficar de caso e prosa com a prosa que colocarei no ar (nuvem é o termo corrente). E ademais (mas isto não o posso prometer agora), quem sabe já não saio com um texto minimamente descente já para a quinta-feira, 24 de março, como escusa por esta porcaria de agora?


Ninguém me responde. Estão todos calados neste momento. O que está levando o meu projeto para o buraco. A amígdala é, no cérebro, quem percebe o perigo e prepara fisicamente o corpo para a ação (no meu caso, bater em retirada, tomar Rivotrill e deixá-los emputecidos comigo e de saco cheio deste blogue). E me lembro, também, que o Córtex Cingulado Anterior é o que usa as experiências passadas para prever e calcular os riscos do momento em questão (tenho em mente que textos desta natureza receberam desprezo ou péssimos comentários e afastaram alguns dos já parcos leitores desta página para outras pradarias). 



Meia-noite e vinte e oito. Já não posso mais enrolá-los. Evidente que não deu certo a minha idéia de escrever e publicar ao vivo a Bazófia de hoje. Confesso que quando me sentei aqui, há pouco mais de quarto de hora para publicar, imaginei que talvez surgisse um exercício que pudesse ser interessante. Não foi, peço desculpas. Parece-me que os blogues estão morrendo, li isso no caderno Tec (antigo Informática na Folha, aliás, mesmo caderno que deu ensejo ao primeiro texto desta Bazófia lá há tantos anos atrás). Os blogues de moda, os bons blogues jornalísticos, os blogues informativos em países cuja imprensa é cerceada e os bons blogues de fato, hão de permanecer. Este, não é nenhum deles. Seu autor pede desculpas, dá boa noite e diz: faço as regras aqui, os textos sairão agora às quintas-feiras, e nesta próxima haverá outro.


Juliano Machado, CPF 278.679.228-22, 0h33min do dia 23 de março de 2011.


p.s. - este texto não teve qualquer revisão. Algo que nunca mais se repetirá neste blogue.

terça-feira, 8 de março de 2011

Recesso

Esta Bazófia fica em recesso por desfalecimento carnavalesco.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Um texto sobre coisa alguma (evitem a leitura caso tenham algo melhor a fazer)

Preciso de fato passar a escrever os textos para esta Bazófia na segunda-feira (ou em qualquer dia anterior à terça, ou mesmo na terça antes da análise). A questão é que escrevendo depois da análise, fica difícil não abordar algum tema lá discutido ou suscitado, como fiz na semana passada. O diabo é que acabei atrasando para escrever, de novo, e agora não consigo pensar em nada descolado de um algo que foi tratado com o psiquiatra. Enfadonho para vocês poucos leitores e para mim ter de iniciar, novamente, um escrito com um pedido de desculpas (este contrito, afinal), mas o assunto de hoje vai resvalar para a análise.

Houve, num certo momento, uma pergunta que me encabulou: do que você realmente gosta? Independente (para esta crônica) de qual era o tema, o que me fez pensar por mais de dois minutos (pagos) e depois voltar refletindo ao dirigir o automóvel foi a base da resposta dada: eu não gosto de nada. Quero dizer, não é bem que eu não goste de nada, mas gosto de algumas coisas só assim assim. Um gostar transcendente, efusivo, vitorioso, apaixonado, não é uma sensação que me seja conhecida. Mas desde quando (e agora tanto faz se quem me pergunta é o analista, o teto ou vocês, corajosos poucos leitores)? Desde sempre, desde que me lembro, desde o dia em eu perguntei para minha mãe, com cinco anos, se todos iríamos morrer de que adiantava viver (não me recordo da resposta – o que só isenta meus pais por eu ser uma pessoa tão sem graça). Eu tenho muitos livros pois gosto de ler. Tenho uma cachorra, porque gosto de cachorro. Corro a pé porque me sinto bem correndo. Bebo algumas coisas com meus amigos porque gosto de alguns amigos e de beber. Já amei, já fui amado porque amava as pessoas que me amavam (ou não) naquele momento. Mas quando olho para trás (mas sobretudo para frente e para o agora ) nada me empolga ao ponto de me sentir impelido a viver, a buscar coisas novas, ainda que sejam nas coisas velhas de que gosto um pouco.

(Abrirei um parêntese-parágrafo grande para falar sobre o presente. Drummond dizia num poema que o que importava era o tempo presente a vida presente – sou repetitivo demais, cito Drummond e citarei Sêneca, que foram ambos citados na semana passada – e Sêneca tem uma belíssima frase que diz "omnia aliena sunt, tempus tantum nostrum est": "tudo nos é alheio, somente o tempo é nosso". Para os latinos a palavra tempo era sinônimo de tempo presente, assim como a palavra amor representava amor carnal, apenas. Este tempo presente é um algo tão paralisante que mesmo tentando recompor os pedacinhos do que fui para tentar melhorar o que serei, nada consegue me dissuadir de que tudo quanto não é o agora é falso. Talvez por isso esta minha inclinação de cabeça, a tendência a melancolia, a forte sensação de que nada importa realmente. Sendo menos erudito (o que de fato não sou e ando me cansando dessa fraude que eu mesmo inventei) gostava de cantar a música do Paulinho da Viola (que prefiro na voz da Teresa Cristina): "(...)meu mundo é hoje, não existe amanhã pra mim, eu sou assim e assim morrerei um dia (...); nunca tomei parte nesse enorme batalhão, pois sei que além de flores, nada mais vai no caixão(...).". Fim do parêntese-parágrafo).

Creio que enveredei pelo tema do gostar ou não gostar de alguma coisa porque ando angustiado com isto de escrever. Eu não sinto mais vontade de escrever. Não tenho vontade de vir aqui ao computador, olhar para o ecrã em branco do Word e ter de pensar em alguma coisa para saltar na vista da Bazófia. Claro que uma vez escrito quero comentários, abraços e os louros da vitória, e é claro, também, que não sou hipócrita de dizer que escrevo para não ser lido. Mas isso tudo descamba na maldita vontade assim assim, nessa constante sensação de esterilidade, de insuficiência, de ilegitimidade. Gostava de saber o que raios as poucas pessoas que por cá aparecem vêm procurar. Mas também, sem ingenuidade: meus leitores são pessoas do meu trato pessoal, sem eufemismo, gente que gosta de mim (o que é mais impressionante do que gostarem do meu texto), portanto se escrevesse sob pseudônimo, teria dois leitores (eu mesmo e um a quem não resistiria contar que era eu). Aliás, hoje, conversando com uma leitora deste blogue (creio ainda ser) que não se manifestou desde o reinício, ela me disse que não gostou nem um pouco do último texto. Eu fiquei tão feliz. Pedi-lhe, sinceramente, que escrevesse publicamente o seu desagrado. Não sei se serei atendido, mas gostaria muito. Porque se estou enfadado de digitar as teclas juntando palavras que juntas não fazem o menor sentido, como é que ainda ouço alguns elogios pelo que escrevo? Tem pé de couve aí, mas tem mesmo.

Não me esqueço, também, que muitos cronistas (e notem que não me acho um cronista) costumam escrever coisas sobre coisa alguma (quem melhor o faz é o Carlos Heitor Cony). Cony escreve coisas sobre coisa alguma falando de tanto que o virado dá liga (há uns outros que escrevem porcarias tão grandes quanto esta que vocês estão lendo agora). Por que eu não paro então de escrever agora e diminuo a perda de tempo dos meus parcos leitores, já que acabei de admitir que escrevo um texto sobre coisa nenhuma? Prometo que não é para testar a paciência de ninguém, mas apenas porque ainda não consegui pensar no raio do título que terei de dar a este texto (que tem que sair antes da meia-noite para que eu não seja além de tudo um blogueiro mal educado). Mas vamos para o fim.

Eu não sou blasé. Nem nefelibata, porque seria muito fácil. Me sinto assim mais como um Polônio (evidentemente sem um Shakespeare a me espetar), escrevendo coisas supostamente interessantes para um blogue supostamente lido (aliás, talvez a solução esteja na loucura pura e simples, cito Polônio: "(...)uma felicidade que a loucura alcança às vezes e que a razão e a sanidade não têm chance de encontrar" – Hamlet, ato II, cena II). A frase polônica afinal vai de encontro à minha predileta dos últimos anos: " a ambiente perpétuo do homem lúcido é a angústia". Blablablá. Pronto. Acabo de publicar um texto que não diz absolutamente nada, cumpri minha obrigação marciana e torrei a paciência de quem porventura (espero que tenham sido poucos, eu juro) tenha chegado até aqui.

Desculpem-me.

p.s. – uma vez escrevi num texto (ou numa conversa, não me recordo): "(...)essa urgência incompleta, fora das coisas, fora de mim, essa angústia do fim que nem se estivesse à porta seria...". Para ver como em qualquer circunstância, sobretudo escrevendo, é possível mentir.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Correr e a morte

Estive no consultório médico a ver se conseguiria sanar um problema ortopédico que me impede de correr. Correr é, para mim, muito mais importante do que ler e incomparavelmente mais importante do que escrever. Já sei (o analista me contou) que não devo transformar o esporte numa panacéia, pois simplesmente posso perder a possibilidade de fazê-lo e não dá para enlouquecer por isso – a aliteração é proposital porque me deu a idéia de pistão (ele não comentou, mas há outras panacéias – não na minha vida, claro esteja – como o amor, o trabalho, a bebida ou, porque não? a própria análise).

Eu vejo isso mais ou menos como desbastar arestas. Não no sentido do confronto entre o dionisíaco e apolíneo (porque não creio que haja espaço de crescimento e muito menos, por óbvio – ainda que a carga de Apolo a carregar seja justamente o contraponto pérfido do mito – esteja já finalizado como o deus sol), mas no sentido de um joanete. Não sei se se desbastam joanetes. Quem sabe uma lixa (normalmente se troca o calçado, acredito). Aqui é uma lima que vai esboroando o excesso de um conjunto que não é estátua, nem escultura, tampouco arte, que de tão insípido talvez nem seja um arquétipo. Fazendo luz nessa presunçosa ladainha pseudo-erudita (vulgar, pilantra e pedante, como tudo o que sou): alongamento para o joelho, musculação para a perna e voltar a correr só não são uma panacéia porque tudo é panacéia, e quando tudo é alguma coisa, matematicamente não é coisa alguma.

Chegamos ao ponto fulcral, diria o antigo esculápio ou o militante. Nada faz o menor sentido. Tenho insistentemente citado e falado de Aubade do Philip Larkin porque quando tudo caminha para uma despedida que só pode ser silenciosa e brutal, eu não consigo enxergar a única consolação que é o humor. Larkin não vê graça nisso, e eu não vejo também. Outro poeta vê, e acredita que todos meditemos na segunda lei da termodinâmica, embora saiba que todos os trilhos vão dar no matadouro. Eu sempre achei que o caminhar levaria a uma possível confrontação com a tranquildade da certeza inexorável e por isso durante muito tempo gostei da frase do Luis (o da Natureza da Mal) que dizia mais ou menos assim (aliás esta frase está repetida incontáveis vezes em incontáveis textos barra à baixo): “o momento de grande reconciliação com a falta de sentido de tudo”. Mas esses momentos têm se tornado raros e não mais freqüentes com o passar do tempo (tempo que hoje em dia assinalo através da posologia de trecos como clonazeplam, flunitrazepam e isrs de paroxetina – aliás esta porcaria de texto forçado, arrancado e horrível é sob os efeitos cada vez menos reconfortantes desses nomes difíceis - em certo sentido, como escreveu Sêneca, todos os remédios são paliativos, porque é possível vencer a doença mas não a morte).

Mas como não pretendo matar meus pouquíssimos e pacientes leitores antes de a mim mesmo (o que seria uma indelicadeza, mas sobretudo um desperdício do meu tempo), a morte, como disseram tantos outros (mas o que me contou por último com ênfase sociológica foi Norbert Elias), é um problema dos vivos, os mortos não têm problemas, este texto vai parar por aqui com só mais duas ou três palavrinhas. Drummond ensinava que só valia a pena fazer citações quando elas fossem totalmente inesperadas e que também deveríamos evitar as frases de efeito. Mas como parece cada dia mais ficar claro que não posso seguir os conselhos do itabirano e muito menos criei um estilo que me permita fugir da blague de uma citação ociosa, deixarei a pergunta seminal que martela a minha cabeça da hora em que acordo (sabe o fígado ainda o quanto dopado) à hora em que vou dormir (dopado): "Se não sabemos nada daquilo que aqui deixamos, que importa deixá-lo antes? Seja o que for". (Hamlet, ato III, cena II). Já alguém disse mesmo que o príncipe era mais sábio que o próprio bardo. Acho que a prova é que somente um morreu.

p.s. - já me desculpei, mas o faço de novo por o texto não ter saído na data combinada, às terças-feiras.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Primeira Escusa da Última Tentativa

Sorry kids, por conta de uma surpresa muito agradável na segunda-feira (dia em que escrevo os textos para esta Bazófia) não pude publicá-lo na terça-feira (de terça eu não trabalho). Como surpresas boas são raras na minha vida peço desculpas, não muito contrito.

O texto novo vem daqui a pouquinho.

abraços, aos poucos e fiéis leitores.