quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ana

Gostava não ter lido o blogue de que mais gosto de ler, aquele da Ana de Amsterdam. Tudo que quero dizer ela já disse (assim como tudo quanto quero pensar ou sentir, já está dito pelos autores prediletos – a mulher que amarfalha até extinguir a nenhuma forma todos os dias a minha vida, certa vez falou-me, na verdade repetiu frase batida, que Shakespeare já dissera o quanto havia a ser dito). Mas no caso da Ana o que me combali é o modo como ela arrasta as frustrações cotidianas, comezinhas, à lucidez clara e seca daquela beleza estética que só pode nascer das tristezinhas (defendi essa tese numa pobre crônica, aí para trás, quando incitava objetos a assoviar).

Ana me diz tantas coisas e eu acredito em todas elas. Me disse que não sabe o que fazer com a tristeza que se instalou nos seus dias e não há remédio (metafórico ou emplastado) que a cure, e asseverou-me que correr é bastante melhor do que ler e imensamente melhor do que escrever (não obstante Ana não tenha podido me convencer a deixar esta faina, fatigada, admito, que há de deixar-se por si mesma). Por isso, quando eu corro, penso no que Ana escreveu-me e não preciso, agora, pensar no que li ou escreveria.

Houve um tempo em que cheguei a julgar que ler os poetas e os romances que me botavam cabisbaixo, ouvir lá os adágios que me ensimesmavam, largar o tempo a observar, apoiado na parede, a chuva ou algum céu fossem as melhores práticas para enlear a tristeza resignada pela qual tenho tanto respeito e estima. Houve tempo, sim. Tempo em que eu acreditava até que as modalidades de coisas para aí citadas incitassem uma ainda maior vastidão do pensamento, como se purgar com música e letra fizesse a dor aumentar até ao ponto em que eu pudesse agarrá-la que nem coisa, moldá-la que nem barro, meter num pedestal a expô-la.

Esse tempo passou. Hoje as nesgas me bastam. O mínimo de qualidade de macaco ou passarinho é o bem-vindo. Hoje só preciso ler na Ana dois ou três textos, meia dúzia de imagens para que tudo esteja longe e vazio, e as coisas sem-sentido voltem novamente a ser apenas os reflexos óbvios (os circunflexos brancos, o silêncio na casa) da precariedade inútil da vida. 

9 Pitacos:

Anônimo disse...

agarrar que nem coisa, moldar que nem barro, meter num pedestal a expor.

Até assustei ver assim - tão simples, tão claro - o que eu sempre precisei (e preciso) fazer e nunca consegui descrever.

Não gosto de você cinza - ou melhor, prefiro te ver bem. Mas você escreve tão bem em branco e preto quanto a cores. Parabéns.

Anônimo disse...

Gostei do texto.
Meio sem força, mas parece que era a intenção, né? Se traduziu na lentidão das palavras.

Continuo gostando dos seus textos e gostaria de lê-los sempre aqui, mesmo sabendo que sempre tem espaço na escrita pra maltratar alguém, né?

Vai passar, e espero que tenha motivo pra escrever. O bom do seu texto mora nas entrelinhas, onde o que se lê é só o texto, só o texto falando com a voz que eu escolhi. Adoro ser leitora.

boa sorte!

Anônimo disse...

Oi Ju, adorei o texto. Mas é sempre ruim passar por aqui.

Beijos.

Juliano Machado disse...

Anônimo número a)obrigado pelo elogio. Fico mesmo muito feliz que o texto - e ainda por cima um excerto dele - o tenham feito sentir coisas que sentia sem palavra. Espero que volte sempre.

um abraço

Juliano Machado

Juliano Machado disse...

Anônimo número b)se por sem força você quer dizer lento, resignado, concedo.

Não consigo encontrar onde eu maltrate qualquer coisa, de gente a avestruz. Nos meus textos maltrato apenas a língua portuguesa e a mim mesmo. O resto é tudo invenção.

Obrigado por vir aqui e ler o blogue, já que parece a única coisa a que parece valer a pena no que envolve o meu nome.

Juliano Machado disse...

Anônimo número c) que bom que gostou do texto! Vou entender que "é sempre ruim passar por aqui" porque os textos causam, pelo que dizem, desconforto. Se for isso fico ainda mais feliz ser ruim passar por aqui.

Obrigado

Juliano Machado

Anônimo disse...

vc devia voltar a escrever, ju.
saudade de te ler, saudade de conversar com vc.
beijo.

Juliano Machado disse...

Anônimo número d): creio que em 2013 boto esta joça pra funcionar de novo.

Obrigado.

Anônimo disse...

Oi Ju passei por aqui e quero desejar uma bela semana pra voce! Tudo do bom e do melhor. Seu velho amigo Miguel.