Peço, como sempre, contrito, desculpas aos meus parcos leitores por ter atrasado a data da Bazófia, mais uma vez. Fiquei duas semanas sem escrever, embora tenha escusas: a primeira quinta foi dor: de amor, de tristeza, de ausência, de isquiotibial, de futilidade, tanto faz; a segunda quinta seria preguiça, feriado, dane-se. Hoje, atrasei pois fui viajar a Rio Preto pensando que posso resolver coisas que não posso resolver, ainda que eu queira muito. Sem mais delongas, vamos à Bazófia de quinta, publicada na sexta, meus tão pacientes leitores (quando o parangolé começa com desculpas boa coisa não vem).
São cinco e vinte e três da manhã da sexta-feira. Acordo. Como o velho Hemingway (medíocre escritor, bom jornalista, curiosa personalidade), abro uma garrafa de Buchanas 12 (ele bebia algum bourbon fora das minhas posses). E vou tencionar escrever versos em que direi o contrário. Lá que se me parta a alma ao meio porque preciso publicar um texto na Bazófia, esta caridade que me faço todo dia como um gato que se lambe quando o dono (ou qualquer outro) o toca. Vou para lá. Escrever sem revisão à base de (que ocioso repetir os benzodiazepínicos, os isrs e a interação com o doze anos). Memória musical dos meus versos inúteis. Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse e não ficasse sempre defronte da tabacaria de defronte.
Certa vez me perguntaram, assim como quem não quer a coisa: "o que te faz feliz?" Respondi: " Nada. Não acredito na felicidade. Mas há momentos felizes, sim. Livros, minha cachorra, amor, alguns amigos etc: sou um homem comum, como me explicou Philip Roth". Não creio que o tenha respondido mal. Claro que cerceei a resposta como quem escreve um diário para a posteridade (não era Camus que dizia que a posteridade não existe?), mas o fato é que disse às folhas o que disse. Vamos em frente. A referência geral é ao Rubem Fonseca e o Diário de um Fescenino.
Eu não posso viver sem ar. Mas ninguém pode. Mas também não posso viver sem ler (que pedantismo mais ultrapassado na era da internete), música, Doutor House e correr. Na verdade me sinto muito melhor correndo do que lendo ou escrevendo (isto é plágio de Ana Cássia Rebelo). Manuel Bandeira me disse sempre, desde eu menino: tenho medo de ter medo na hora de morrer. Penso se o príncipe Hamlet pensou nisso e chegou à minha conclusão: não, não pensou. Se não sabemos nada daquilo que aqui deixamos, que importa deixá-lo antes? Seja o que for.
Sou dado a falar sozinho. Converso comigo o tempo todo, em voz alta. Isso, essencialmente, não vacila a minha convivência social já que em regra eu não tenho uma convivência social. E como para mim a paciência nunca foi uma virtude, só me irrito se o garçon demorar na próxima dose (por sorte escrevo sob os auspícios benevolentes do tal de Buchanas. Então, sem dó, me fustiguem: tu és feliz, ó da patuléia? Não. Estou nu).
País de merda, e eu nem sou sociólogo. Por isso o que me faz falta é Slavoj Zizek e o seu conceito de excesso contemporâneo, que eu consigo, numa firula conceitual, alcoólica, ansiolítica e plagiada relacionar: alguém se lembra que Voltaire (que não se chamava Voltaire) disse que "ninguém encontrou nem jamais vai encontrar"? Sinto saudade até hoje do Joaquim, do Traste e do meu pai.
O Manoel de Barros - se a diferença para o outro Manuel ficasse apenas entre um "o" e um "u" - enfim, o não menos poeta Manoel de Barros dizia que o poeta é aquele que tem a habilidade de comparecer aos próprios desencontros. Lá ser poeta em Praga, é o único lugar que tenho verdadeiramente vontade de me encontrar. Paris, me perdoa mas eu já te conheço, e você anda ficando suja (assim me disse a culpada de todo este sofrimento).
Ando cheio de arrependimentos. Aliás, minha vida é uma sucessão de erros, más escolhas, confusões, de modo que pode até haver esperanças, mas certamente não para mim (isto é Kafka). Eu não trabalho em nada e não quero fazer produzir nada, tiro meu sustento de coisas inconfessáveis. Perguntar-se-ão: qual a relação com o assunto do mesmo parágrafo? Responder-lhes-ei. É óbvio, a culpa me puxa para trás.
Pode parecer piada, mas há uns incautos (me ajuda Amílcar Bettega Barbosa, só pode ser piada que a gente exista e que nos vejam) que me perguntam se sou rabugento, se gosto do meu jeito "impar" de ser e eu fico moído pensando que essas pessoas estão infelizes, desempregadas ou muito felizes e empregadas (ou ricas). Todos os trilhos vão dar no matadouro e por mais que de cinema quaisquer de vocês entendam, todos sabem que esta é a única sessão. Evoé Ascher. Nelson Ascher, o leiam, eu imploro rojado aos seus pés meus parcos leitores (já não sei, neste parágrafo se são dois ou apenas um).
Ontem me perguntaram, em primeira pessoa, qual era a minha frase predileta no momento. Como eu manco, achei conveniente não zombar de quem crê que há predileção momentânea em questões existências (claro que há, mas só há uma resposta, o que torna a pergunta um falso silogismo). Dizia, perguntaram-me qual a minha frase do momento e eu não titubeei: "Ninguém encontrou nem jamais vai encontrar, do Voltaire" (já citada acima, que enfadonho). Cinco segundos de silêncio e a réplica: "Mas o que você procura?" A blague foi tão forte que fui obrigado a ser pernóstico (como meu novo e grande amigo Guile ousou me chamar): "é mais tarde do que supões", de uma das poetas mais lindas que eu conheci. Hilda Hist. De qualquer forma, kids, é inútil procurar.
O meu maior problema, incomparavelmente com as dissonâncias familiares, as complicações financeiras, os percausos da saúde, é que acho que fui uma criança enjeitada. Papai não tem culpa. Embora odiasse o fato de eu ser muito bom em futebol (coisa que meu avô materno adorava - eu gostei dele menos do que podia, culpo-me, também) ele (pai) me incentivou a conhecer muitas coisas (o que, infelizmente, e não por culpa dele (pai) chama-se Pindaíba, km 145 da Rio Preto-Matão).
Eu queria ter as seguintes qualidades: compromisso; justiça; compaixão (embora não saiba como usá-la); gratidão (sei muito a quem devo, mas sou canalha e não pago nem com sorriso, um único sorriso, mamãe); humildade (tenho vontade de rir quando penso em tentar ser humilde); simplicidade (boa questão, é incrível, mas sou simples); tolerância (rá. Eu não gosto de judeus, armênios, palestinos, árabes, brancos, pretos, calvos, estenógrafos, militantes, açougueiros, livreiros, seguradores, pintores de parade (me avô materno foi), quitandeiros (me avô materno foi); ETs; empregados domésticos, funileiros, cientistas, apresentadores de palco, maquinistas, pintores, romancistas, práticos (isso dá uma grana, deveria repensar); dentistas; engenheiros; médicos; agentes de viagem; José Saramago, o primeiro teste foi no Ano da Morte de Ricardo Reis, chovia em Lisboa.
Chove em Lisboa, a noite acabou e nenhum auto passaria sobre o meu corpo. Não acredito que estejam aqui na próxima quinta(?). Sinto por todos ( que vierem, é claro).
3 Pitacos:
Eu vim, Juliano. Vim, li e ri. O tédio e a amargura dessas letras não arranham o brilho da sua espontaneidade nem o frescor da sua inteligência. E me lembraram o verso de Pessoa: "O Homem é um cadáver adiado".
Abraço
Marcelo
Excelente texto, com Gramática cuidada e pontuação bem colocada.
Uma forma (no mínimo) inteligente de despertar a curiosidade dos internautas acerca dos poetas e escritores citados, instigando-os a procurá-los.
Esteja, apenas, avisado de que seu público está limitado aos bons conhecedores da Língua, pois você escreve feito Celso Antônio Bandeira de Mello - o maior administrativista do Brasil, que é capaz de abordar setecentos assuntos diferentes em um mesmo parágrafo.
Fique claro, nesse sentido, que eu considero este o melhor tipo de escrita, mas a cada um como eu, cem vão se cansar e procurar um mais "facinho". Essa limitação, portanto, pode ser ruim se o seu intuito for o de atingir um grande número de leitores.
Alfim, acho válido dizer que admiro a forma como expõe a sua vida pessoal: sem fantasia e sem medo das críticas. Por isso mesmo é que sou sua fã - não do escritor (porque ainda conheço pouco dessa sua faceta, mas passo, doravante, a ser assídua leitora de suas produções neste blog), mas do indivíduo destemido, forte e verdadeiro.
gostei tanto desse...
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