quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Correr e a morte

Estive no consultório médico a ver se conseguiria sanar um problema ortopédico que me impede de correr. Correr é, para mim, muito mais importante do que ler e incomparavelmente mais importante do que escrever. Já sei (o analista me contou) que não devo transformar o esporte numa panacéia, pois simplesmente posso perder a possibilidade de fazê-lo e não dá para enlouquecer por isso – a aliteração é proposital porque me deu a idéia de pistão (ele não comentou, mas há outras panacéias – não na minha vida, claro esteja – como o amor, o trabalho, a bebida ou, porque não? a própria análise).

Eu vejo isso mais ou menos como desbastar arestas. Não no sentido do confronto entre o dionisíaco e apolíneo (porque não creio que haja espaço de crescimento e muito menos, por óbvio – ainda que a carga de Apolo a carregar seja justamente o contraponto pérfido do mito – esteja já finalizado como o deus sol), mas no sentido de um joanete. Não sei se se desbastam joanetes. Quem sabe uma lixa (normalmente se troca o calçado, acredito). Aqui é uma lima que vai esboroando o excesso de um conjunto que não é estátua, nem escultura, tampouco arte, que de tão insípido talvez nem seja um arquétipo. Fazendo luz nessa presunçosa ladainha pseudo-erudita (vulgar, pilantra e pedante, como tudo o que sou): alongamento para o joelho, musculação para a perna e voltar a correr só não são uma panacéia porque tudo é panacéia, e quando tudo é alguma coisa, matematicamente não é coisa alguma.

Chegamos ao ponto fulcral, diria o antigo esculápio ou o militante. Nada faz o menor sentido. Tenho insistentemente citado e falado de Aubade do Philip Larkin porque quando tudo caminha para uma despedida que só pode ser silenciosa e brutal, eu não consigo enxergar a única consolação que é o humor. Larkin não vê graça nisso, e eu não vejo também. Outro poeta vê, e acredita que todos meditemos na segunda lei da termodinâmica, embora saiba que todos os trilhos vão dar no matadouro. Eu sempre achei que o caminhar levaria a uma possível confrontação com a tranquildade da certeza inexorável e por isso durante muito tempo gostei da frase do Luis (o da Natureza da Mal) que dizia mais ou menos assim (aliás esta frase está repetida incontáveis vezes em incontáveis textos barra à baixo): “o momento de grande reconciliação com a falta de sentido de tudo”. Mas esses momentos têm se tornado raros e não mais freqüentes com o passar do tempo (tempo que hoje em dia assinalo através da posologia de trecos como clonazeplam, flunitrazepam e isrs de paroxetina – aliás esta porcaria de texto forçado, arrancado e horrível é sob os efeitos cada vez menos reconfortantes desses nomes difíceis - em certo sentido, como escreveu Sêneca, todos os remédios são paliativos, porque é possível vencer a doença mas não a morte).

Mas como não pretendo matar meus pouquíssimos e pacientes leitores antes de a mim mesmo (o que seria uma indelicadeza, mas sobretudo um desperdício do meu tempo), a morte, como disseram tantos outros (mas o que me contou por último com ênfase sociológica foi Norbert Elias), é um problema dos vivos, os mortos não têm problemas, este texto vai parar por aqui com só mais duas ou três palavrinhas. Drummond ensinava que só valia a pena fazer citações quando elas fossem totalmente inesperadas e que também deveríamos evitar as frases de efeito. Mas como parece cada dia mais ficar claro que não posso seguir os conselhos do itabirano e muito menos criei um estilo que me permita fugir da blague de uma citação ociosa, deixarei a pergunta seminal que martela a minha cabeça da hora em que acordo (sabe o fígado ainda o quanto dopado) à hora em que vou dormir (dopado): "Se não sabemos nada daquilo que aqui deixamos, que importa deixá-lo antes? Seja o que for". (Hamlet, ato III, cena II). Já alguém disse mesmo que o príncipe era mais sábio que o próprio bardo. Acho que a prova é que somente um morreu.

p.s. - já me desculpei, mas o faço de novo por o texto não ter saído na data combinada, às terças-feiras.

6 Pitacos:

Nanci disse...

Oi Jú. Adorei seu retorno à Bazófia!

Panacéia. Cada um vive a sua. Quando perde sua eficácia, trocamos por outra sem titubear. O que nos move está em constante mutação. Uns chamam a isso de "objetivo de vida"...Parece tão simplista! Na verdade temos medo de enfrentar a única e inexorável verdade: a morte.
Um dia ela chega, somos extintos, a Terra continua girando e nossa existência não fez diferença, sequer sentido.
PS: está desculpado... Aproveito para registrar que sou sua leitora contumaz, apesar da falta de pitacos. Beijo.

Bela disse...

Presente! Cá estou.... mesmo com as dificuldades da falta de computador estou me tornando uma leitora assídua. Parabéns!

Telma K. disse...

Fiquei muito feliz em ver (só agora) que voltou a escrever!

A gente devia se encontrar lá na Flip um ano destes qualquer...

Beijos.

Ana disse...

Olha quem reapareceu! Do mundo dos mortos (e atrasado como eles das coisas da vida)! Por essa não esperava. Inclusive que o texto tivesse melhorado, não melhorou e continua repetitivo e enfadonho, sempre o mesmo tema e as mesmas citações. Belo texto, não diz nada nem significa nada. Boa e velha Bazófia.

Lívia disse...

Desbastar arestas, Apolo e Dionísio, segunda lei da termodinâmica, excessos, um pouco da sua vida como ela é... Tudo mais ou menos em ordem interessante nesse texto que judia um pouco de leitores como eu, que às vezes fazem da ignorância mais uma panacéia, quando convém. Aqui, é claro, não convém e preciso enfim botar a cabeça para funcionar além do óbvio, obrigada! E mesmo com a autocrítica, fica a boa ironia de que você tem plenas condições (e deve) lançar mão de alguma erudição. Não é pra qualquer um e pra você eu sei que é. Faça sempre uso disso, Ju, mas com parcimônia...rs

Quando leio um texto assim fico sempre na dúvida: será que alcancei o que ele queria dizer, além do tópico que o título dá e que o geral do texto entrega?
Acho que no fim, já disse isso em outro comentário em outro texto, acabo me afastando de você (do que escreve) e me aproximando de mim. O que isso significa para o autor? E para o leitor? Talvez seja algo bom, que o livre da síndrome de Zuckerman... rs. Para mim é bom. O texto ganha sentido, embora nada tenha sentido.

Depois de um comentário onde nada está em ordem, não quero falar sobre o que escreveu. Seu texto me incomodou, me fez querer pegar em livros, me aproximou de mim mesma e das minhas tantas panacéias. Achei que ficou bem escrito, embora pareça mesmo que foi um 'parto' pra sair. Mas não é assim que é pra parecer quando o texto toma vida e causa o que causa a quem o lê?

Que confusão!

Beijo

Tatiana Machado disse...

Por hora, não insistirei na discussão que parte da questão: você tem ou não um estilo. Primeiro porque não tenho conhecimento suficiente em literatura para afirmar que você tenha. Segundo porque, independentemente do meu conhecimento de literatura ou dos argumentos que eu possa usar, você já decidiu que não tem e ponto.

(Digo não apenas pelo texto, cujo eu-lirico é o personagem de você mesmo, cujo enredo é mentira, cuja autoria permite a manifestação da síndrome de Zuckerman, como bem lembrou a Lívia, mas também e principalmente pelos comentários)

Mas o que eu chamo de estilo e que me chama a atenção nos seus textos é essa constância estética e temática que provoca emoções em que lê. Leio seus textos com o coração apertado e os sentimentos de cansaço, de dor, de falta de esperança são todos transmitidos através de suas (difíceis) palavras. Não me importa que nome você dê a isso, mas a possibilidade de provocar sentimentos, sensações (e até reflexões posteriores) está em seus textos.

Gosto do texto, justamente porque dói.

(e aprendi várias palavras novas! Rs..)