A canção tocava serena ou o ambiente era sereno por conta da canção (apesar dos ruídos lidos nos sulcos do disco de vinil). A luz não vinha de um candeeiro solitário, mas bem poderia, pois era parca, amarela, e só concentrada no ponto em que requisitada com necessidade circunstancial. Fora do seu feixe específico as sombras passavam através de sombras. Ele estava sentado na cama, livro de poesia aberto na mão, indeciso o pensamento entre sorver o adagio cantabile da sonata número oito em dó menor, opus treze, ou quando perderes o gosto humilde da tristeza. Vencera nele uma solidão de estar em meio a todos e a noção quase resignada de que tudo já havia sido dito, pensado ou sentido. O quarto mal iluminado era, portanto, o sintoma da exagerada percepção do caráter transitório da vida, enquanto a música a extensão material da condição em que afinal se considerava obrigado a viver, já que a poesia representava o despojo de uma liberdade inerente, e tanto menos útil à medida que mais indesejada. Esse quadro, nada original em cada uma de suas matizes, trouxe-lhe um pensamento que também não poderia ser inédito nas histórias dos tristes quartos pouco alumiados e da solidão frouxa de quem não tem no que refletir ou agir (ou não quer agir), pensamento que, afinal, era no outro, como no outro sempre tem de ser.
Aconteceu então o que vulgarmente se chama de destino: uma bátega violenta começou a cair e minutos depois um raio, ou rajada de vento que derrubasse um galho no gerador, interrompeu o fornecimento de energia da rede elétrica do bairro. O som calou-se, a luz (parca mas suficiente) cegou e ele se viu no escuro. Depôs o livro no criado mundo e chegou mais para si a coberta. Antes de terminar de repassar mentalmente as palavras, sensações e imagens para aí acima descritas, adormeceu.
Aconteceu então o que vulgarmente se chama de destino: uma bátega violenta começou a cair e minutos depois um raio, ou rajada de vento que derrubasse um galho no gerador, interrompeu o fornecimento de energia da rede elétrica do bairro. O som calou-se, a luz (parca mas suficiente) cegou e ele se viu no escuro. Depôs o livro no criado mundo e chegou mais para si a coberta. Antes de terminar de repassar mentalmente as palavras, sensações e imagens para aí acima descritas, adormeceu.
5 Pitacos:
Que lindo! Poético, angustiante, surpreendente.
Adoro qdo vc cita os detalhes das notas clássicas "adagio cantabile da sonata número oito em dó menor, opus treze"... acho um charme. Ao mesmo tempo que essa repetição traz algo de conhecido do universo Juliano Machado.
Um beijo
Tatiana, agradeço o angustiante e o surpreendente. Poético é algo ao qual não almejo.
Jú, obrigado por achar charmoso. Tá aí um elogio gostoso de ouvir. Contudo, provoco-lhe: quem é este tal de Juliano Machado? Será que não confundiu com alguém não?
um beijo
Veridiana, é exatamente isto: não muda nada.
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