terça-feira, 20 de maio de 2008

Aniversário

Hoje é aniversário de meu pai, o Elcio Machado. Vinte de maio, terça-feira, fiquei com vontade de deixar aqui uma singela lembrança. Porque me comprometi a publicar sempre às terças-feiras e por essa terça ser a data de aniversário dele, já caberia uma menção, mas é mais significativo pelo conjunto da obra. Explico.

Vejam aí em cima o título e subtítulo do blogue. Literatura e outras presunções. Sim, nada disso que venho dizendo seria possível se não fosse pelo incentivo e influência dele. Não exatamente a presunção, que foi vício adquirido algures (vá lá, também aprendido com o progenitor, vai...), mas a literatura. O gosto pelo livro não nasceu pegado comigo, como o cabelo loiro e os olhos azuis, nem o nariz de africano. Veio pela mão paterna, pelo incentivo à curiosidade, pela provocação que me fazia querer pensar. Nunca fui um bom aluno, nem bom ouvinte, porque desde muito novo aprendia mais a ser presunçoso e rebelde do que atento e perscrutador. Mas mesmo assim, com insistência, amor e vontade sincera de mostrar que a vida tinha coisas mais interessantes que a televisão e o futebol, ele foi me incutindo a idéia da leitura, de pensar criticamente, de conhecer.

Das maluquices que inventou, duas me divertem demais até hoje. Se lhe fazíamos uma pergunta (minha irmã ou eu) a resposta não era pronta que nem papinha de nenê: “formule uma hipótese”. Antes de nos explicar o que era um cirros, um estrato, um cumulus, pedia para que pensássemos a respeito, que nós mesmos formulássemos uma possibilidade para aquilo. Com o “formule uma hipótese” aprendi muita coisa, sobretudo que a preguiça de pensar era o que mais podia afastar a gente de entender coisas simples do dia-a-dia. A outra maluquice foi oferecer aos seus filhos a possibilidade de que lhe chamássemos de Élcio. Ele dizia: “além de pai sou amigo, então vocês podem me chamar como queiram”. Moleques que éramos, claro que optamos pela transgressão divertida a chamar o papai de igual para igual, ainda mais em frente de coleguinhas ou primos atônitos (“é seu padrasto?”). Ele não sabe, ou talvez não se lembre, mas fora do tratamento direto para ele, continuou sendo chamado de papai em qualquer referência à sua pessoa para terceiros ou no trato comum da casa.

É claro que também herdei coisas complicadas, porque a vida não é conto de fadas. É claro que a distância e as circunstâncias nos afastaram ou aproximaram em determinadas situações e é claro que somos pessoas muito diferentes, ainda bem. Mas entre muitas outras coisas, o gosto que hoje tenho por literatura e outras inutilidades como a astronomia e a geografia me foram provocadas pelo Élcio (estou provocando com inutilidades, nem próximas de ter em casa um fatiador de frios).

Bom, apesar de ser aniversário do meu pai, o blogue é meu, por isso disse pouco dele e mais dele no que diz respeito a mim (porque aqui quem fala sou eu). Mas calma! Ele não tem culpa das tolices que escrevo. Sempre foi meu exemplo de cultura e conhecimento, além de inteligência lógica. Mas herdei mesmo foram os cabelos brancos.

De parabéns, peço licença a ele (que lerá este poste) para tornar pública uma dedicatória que está no meu volume das poesias completas do Fernando Pessoa, presente que ganhei num aniversário de muitos anos atrás:

“Ao meu filho e amigo Juliano, desejando que sinta o prazer de se envolver com a mais alta qualidade estética que o espírito humano pode produzir. Com amor e carinho, de seu amigo e pai. Elcio.”
Como se nota, com mimos desse tipo e palavras bonitas assim, o mínimo que eu poderia fazer era me apaixonar pelos livros. Obrigado e parabéns pelo seu aniversário, Elcio.

15 Pitacos:

Telma K. disse...

Ju, se um dia eu tiver filhos vou tentar me lembrar desses exemplos.

Beijos

P.S. Os meus cabelos brancos estão gritando principalmente no topo da cabeça...

Tatiana Machado disse...

Emocionante. Lindo mesmo. Estou sem palavras. Parabéns, Ju. Parabéns, Elcio.

Elcio Machado disse...

Juliano,
Como descrever emoções, quando falta a verve e sobram lágrimas? Você levou ao pé da letra o gosto pelas letras, as de ler e as de escrever. Fico realmente feliz de saber que, de alguma forma, pude contribuir para isso. E é um deleite lê-lo, aqui na Bazófia e em outros textos mais antigos, espalhados pelo computador. Obrigado pelas letras que me dedicou!
Beijo

Anônimo disse...

Que beleza de mimo o seu, Ju. Tive o privilégio delicioso de testemunhar as emoções acima e a simultânea gostosa confusão em meio a telefonemas de parabéns. Momentos preciosos esses!
beijo

Anônimo disse...

Ju, que coisa bonita de se ler e de se ver, que emoção, que carinho para com seu pai. Muito lindo! Sabe, enquanto eu ia lendo, ia me lembrando do meu pai que gostava de ler e de escrever, de música clássica e astronomia entre tantas outras coisas que me ensinou a gostar e que me fascinam até hoje, como olhar as nuvens no céu e tentar lembrar se são cirros, cumulus nimbos, estratos...
Parabéns Élcio pelo aniversário e pela ótima influência que teve. Pudera nosso Brasil ter mais pais e filhos como você e Juliano.

Elcio Machado disse...

Juliano, nem é junho ainda e, talvez confuso com o inverno precoce, um dos ipês da minha coleção desandou a florir. O ipê leva ao oiti, que leva às frondes do Parque Infantil, que levam às mangueiras da Alameda Paulista, que levam às sibipirunas da AABB, que freqüentamos tão pouco juntos. É certo que o beijo é o beijo, e não manifestação de saudade. Mas pode beijo simbólico, no coração do oiti, que plantamos juntos?
Beijo, aquele que é o que é.

E agradecimentos, a todos os que me cumprimentaram aqui, neste espaço.

Ligia disse...

eita gostinho salgado na ponta da língua...
ganhei um pai, e um irmão...
e cada um a seu modo me emocionam, sempre!

lindo o texto Ju...
Beijos cheios de saudade!

Juliano Machado disse...

Telma, meus cabelos brancos estão por toda a parte.

obrigado por vir e comentar.

beijos.

Juliano Machado disse...

Tatiana, obrigado por vir ler e comentar.

Juliano Machado disse...

Veridiana, bonito é bom. Gosto.
obrigado.

Juliano Machado disse...

Marlene, obrigado. Não foi exatamente um mimo como os recebidos, mas precisou ser escrito.

beijo.

Juliano Machado disse...

Reinildis, para o bem do Brasil espero que não tenham muitos Elcios e Julianos por aí, sobretudo Julianos, de verdade. Mas obrigado por vir aqui ler e comentar, e que bom que se lembrou de seu pai.
beijo.

Juliano Machado disse...

Elcio, neste poste podes tudo. Parabéns, Beijo.

Juliano Machado disse...

Ligia, obrigado. Por ler, comentar e se emocionar.
beijo.

Juliano Machado disse...

Elcio, não agradeça quando é só a minha vez de agradecer. Obrigado.
beijo.