Foi sábado. Contraí bate boca na rua com uma moça e um rapaz. Quero opiniões sobre o ocorrido. Quero contar o que houve e expor à apreciação meus atos públicos.
Decidi-me por ir ao encontro dos amigos, no bar tradicional, a pé. Tenho caminhado muito. Ocorreu-me numa dessas caminhadas um conto do Isaac Asimov, ou teria sido uma adaptação para tv? Ou seriam os Jetsons? Enfim, nessa história de que mal me lembro, as pessoas ficavam doentes de tão sedentárias, porque os automóveis (ou naves?) as levavam para todos os lugares, e nos lugares escadas rolantes e esteiras as transportavam de aqui para acolá: ninguém caminhava. Eu caminho, mas a saúde que mais se beneficia é de longe a mental. Foi sábado. Resolvi ir ao boteco caminhando. Sustentava, como de praxe, o jornal debaixo da axila. A rua era a de maior movimento do centro da cidade, escolhera-a de propósito, interessava-me, neste dia, ver a gente. Ia lento e as sandálias confortáveis deixavam o vento interceder favoravelmente nas passadas.
A moça e o rapaz vinham ao meu encontro (e o que mais atrapalha é essa sempre mão dupla). Ela, bonita e bastante acima do peso, trajava uma blusa colorida muito agradável, discreta, a despeito das muitas cores. Ele, obeso também, vestia qualquer coisa que de tão parda não retive na memória. Nós três estávamos lentos, e a quando de quase nos cruzarmos a moça (de não mais que seus trinta anos) abriu um picolé (que depois verifiquei ser de limão)atirando para a calçada o papel que o envolvia. Ato contínuo, falei em tom de voz baixo, mas severo:
— Mas que coisa feia, moça, jogando lixo na rua. Ela hesitou só um tiquinho e devolveu:
— E você podia cuidar da sua vida, imbecil.
Não respondi à jovem. Não respondi porque concordo com ela nos dois termos que usou. Eu sou mesmo um imbecil e ando cuidando bastante pouco e mal da minha vida. Mas, imediatamente depois, o rapaz não se conteve (não acredito que tenha sido pela minha atitude de voltar-me para o papel do sorvete e apanhá-lo, amassando-o):
— Isso mesmo seu bosta, pega você o papel. Então eu me virei e redargui:
— Será que sou eu mesmo o bosta dessa história?
Bem, não irei reproduzir a quantidade de xingamentos que me ofereceu o rapaz gordinho. Não foram poucos, mas também não alcançaram nenhum requinte diferente do imbecil e bosta anteriores. Não respondi mais nada a ele. Enfiei o papel do sorvete no bolso da bermuda e dei-lhes as costas. Segui no caminho, ouvindo os insultos se afastarem. Acabrunhei-me.
Serei um imbecil, um bosta que não tem nada de útil a fazer da própria vida e anda a se meter na de outrem? Serei um Norbert Elias em campo zelando pelas mesquinharias da civilidade urbana? Ou sou um hipócrita que comete seus pecados às escuras e arranca fio de barba indignado com as caganitas dos outros?
Tola a enquête. Sou um rematado idiota, não me resta agora dúvida. E minha vida é um bocado sem sentido para que tenha de ficar cuidando da alheia. Além disso, não suporto as patrulhas, tenho bronca dos ambientalistas e abomino o IPCC. Portanto, um hipócrita, de fato. E quase me esquecia; ainda por cima, covarde e subserviente: queria ver fosse um grupo de rapazes voltando da aula de karatê se a minha investida para com a limpeza pública iria ter a espontaneidade soberba com que me dirigi à moça bonita e obesa e ao seu amigo redondo e vociferante. Bom, se numa hipóteses dessa eu me tivesse calado, talvez estivesse, afinal, mesmo e mesmo cuidando finalmente da minha vida.
Decidi-me por ir ao encontro dos amigos, no bar tradicional, a pé. Tenho caminhado muito. Ocorreu-me numa dessas caminhadas um conto do Isaac Asimov, ou teria sido uma adaptação para tv? Ou seriam os Jetsons? Enfim, nessa história de que mal me lembro, as pessoas ficavam doentes de tão sedentárias, porque os automóveis (ou naves?) as levavam para todos os lugares, e nos lugares escadas rolantes e esteiras as transportavam de aqui para acolá: ninguém caminhava. Eu caminho, mas a saúde que mais se beneficia é de longe a mental. Foi sábado. Resolvi ir ao boteco caminhando. Sustentava, como de praxe, o jornal debaixo da axila. A rua era a de maior movimento do centro da cidade, escolhera-a de propósito, interessava-me, neste dia, ver a gente. Ia lento e as sandálias confortáveis deixavam o vento interceder favoravelmente nas passadas.
A moça e o rapaz vinham ao meu encontro (e o que mais atrapalha é essa sempre mão dupla). Ela, bonita e bastante acima do peso, trajava uma blusa colorida muito agradável, discreta, a despeito das muitas cores. Ele, obeso também, vestia qualquer coisa que de tão parda não retive na memória. Nós três estávamos lentos, e a quando de quase nos cruzarmos a moça (de não mais que seus trinta anos) abriu um picolé (que depois verifiquei ser de limão)atirando para a calçada o papel que o envolvia. Ato contínuo, falei em tom de voz baixo, mas severo:
— Mas que coisa feia, moça, jogando lixo na rua. Ela hesitou só um tiquinho e devolveu:
— E você podia cuidar da sua vida, imbecil.
Não respondi à jovem. Não respondi porque concordo com ela nos dois termos que usou. Eu sou mesmo um imbecil e ando cuidando bastante pouco e mal da minha vida. Mas, imediatamente depois, o rapaz não se conteve (não acredito que tenha sido pela minha atitude de voltar-me para o papel do sorvete e apanhá-lo, amassando-o):
— Isso mesmo seu bosta, pega você o papel. Então eu me virei e redargui:
— Será que sou eu mesmo o bosta dessa história?
Bem, não irei reproduzir a quantidade de xingamentos que me ofereceu o rapaz gordinho. Não foram poucos, mas também não alcançaram nenhum requinte diferente do imbecil e bosta anteriores. Não respondi mais nada a ele. Enfiei o papel do sorvete no bolso da bermuda e dei-lhes as costas. Segui no caminho, ouvindo os insultos se afastarem. Acabrunhei-me.
Serei um imbecil, um bosta que não tem nada de útil a fazer da própria vida e anda a se meter na de outrem? Serei um Norbert Elias em campo zelando pelas mesquinharias da civilidade urbana? Ou sou um hipócrita que comete seus pecados às escuras e arranca fio de barba indignado com as caganitas dos outros?
Tola a enquête. Sou um rematado idiota, não me resta agora dúvida. E minha vida é um bocado sem sentido para que tenha de ficar cuidando da alheia. Além disso, não suporto as patrulhas, tenho bronca dos ambientalistas e abomino o IPCC. Portanto, um hipócrita, de fato. E quase me esquecia; ainda por cima, covarde e subserviente: queria ver fosse um grupo de rapazes voltando da aula de karatê se a minha investida para com a limpeza pública iria ter a espontaneidade soberba com que me dirigi à moça bonita e obesa e ao seu amigo redondo e vociferante. Bom, se numa hipóteses dessa eu me tivesse calado, talvez estivesse, afinal, mesmo e mesmo cuidando finalmente da minha vida.
25 Pitacos:
Ju, a Veridiana já disse muito... Talvez saber que possa ser um imbecil te impeça de ser.
Beijokas
Esses últimos textos têm sim uma unidade imagética, como disse ali a Veridiana, bem como uma unidade estrutural de narração/problemática/indagação. Legal o lance da mão dupla (recorrente) agora nesse texto, quanto à questão da falta de sentido: primeiro uma participação quase invisível, mais preocupada em observar, indagar; agora um versus, um conflito com a matéria de criação, caracteres que te incomodam, que fazem lembrar que ainda há algum sentido, os princípios ao menos.
Quanto à tola enquête: acredito que não seja você um imbecil, mas muito menos alguém disposto a educar um cidadão que não cumpre com seus deveres. Esse rapaz aí só quer mostrar serviço a si próprio e seguir pela mão dupla (ainda que incomode) pra tirar bom proveito (como vem fazendo) dos rostos e situações quem vêm de surpresa. A mão única não rende muita prosa, né? Só se vêem costas.
gosto muitos dos teus escritos e não só porque é você. beijo.
Não sei bem como cheguei até aqui, mas também não pretendo encontrar o caminho de volta.
Adorei. Abraço.
boa, velho
No hospital costumamos dizer:
Gordo só faz gordice!
O raça!
Ju, muito bom o texto, adorei a reflexão e quero endossar o certeiro comentário da Livia quanto à "tola enquête"...rs
beijo
Você sempre foi um tanto idiota. Um tanto tolo e um tanto hipócrita também. Mas agora demonstra ser um tanto corajoso ao se revelar.
Espero que isso signifique alguma coisa boa!
Olhá lá. Lendo o texto concordo com o anônimo, você é mesmo um idiota, mas se supera na hipocrisia. Quanto ao texto, se você tivesse usado alguma espéice de humor, poderia até ter ficado bom, porque a idéia não é má. Mas então seria pedir demais...
sim vc é um tolo, mas um daqueles que vão para a Barca do Céu (tanto por ser parvo, como por ser honesto). Achei a atitude do gordinho ao dizer "pega você mesmo o papel" desprezível. Além de testemunhar calado o ato poluente da acompanhante, abriu a boca para discriminar uma pessoa (você), que a pesar de "saidinho" , dirigia-se para tomar a atitude que defendia. Segundo o indivíduo: os incomodados que sirvam de gari. Horror...
Errata: "apesar" no lugar de "a pesar". Desculpe
No Parque do Ibirapuera, mesmo com uma lixeira a cada dez passos contados, vi uma mulher jogar uma embalagem no chão.
Mesma indignação, mesma cena.
Escreve mais, e logo, coisinha à-toa!
beijo.
Tenho certeza que eles vão pensar duas vezes antes de jogar algo de novo no chão. Você fez sua parte, eu faria igual.
Só não sei se teria a mesma serenidade após ouvir tantos palavrões...
beijos com saudades
Veriadiana, talvez eu seja sim um imbecil ou um bosta que agora se meteu a escrever um diário em forma de blogue. Essa discussão sobre diário ou não já teve espaço, e no final eu acabei me convencendo de que é quase impossível, para alguém sem talento grande para a ficção, escapar da forma do diário. A questão, também, se preza um pouco à crônica e daí as impressões de pessoalidade que primeira pessoa pode conferir. Vamos lá, que fosse, então, como a minha coluna num jornal imaginário.
Quanto as atitudes das pessoas, claro que sempre me surpreendem, tanto pelo bem quanto pelo mal (é certo que mais pelo mal), mas essa surpresa é uma surpresa de quem perde cada dia o encanto de olhar, porque no fundo racional do espírito, não acho que se aproveite grande coisa do que temos por aí.
Obrigado por vir ao blogue e comentar. Um beijo.
Telma, não creio que foi bem isso o que a Veridiana quis dizer, mas a contradição não deixa dúvidas de que sendo um imbecil, sabê-lo não me aparta de sê-lo, de fato, mas talvez só de não continuá-lo.
Obrigado por sempre vir ao blogue e comentar.
Um beijo.
Lívia, você percebeu perfeitamente o que eu quis dizer, ou construir, com relação à mão dupla, e resolveu melhor ainda o porquê de ela ser então interessante. Quando leio comentários como o seu fico assim quase que seduzido a continuar escrevendo, porque percebo que afinal o que eu queria mesmo dizer foi alcançado por um leitor.
Você é a primeira a achar que eu não sou um imbecil. Vamos ver quanto vai terminar o placar desta enquete.
beijo
Acb, menos ainda eu sei como chegou até aqui, mas espero mesmo e mesmo que volte sempre. E espero sobretudo que o blogue continue agradando.
Obrigado por ler e comentar.
Abraço
Grande Rael, na verdade não sei se acho que a questão tem que ver com a obesidade dos personagens, mas enfim, acabo por pensar que gordos fazem gordices, margos magrices, brancos branquices, negros negrices e parvos parvoices.
Obrigado por vir ao blogue e comentar.
Marelene, das minhas leitoras mais fiéis, que honra e alegria suas visitas.
Opa! Empatei na enquete. A Lívia costuma ser certeira mesmo.
beijo
Anônimo, o primeiro voto quanto à minha imbecilidade foi o meu, e não o revogo. Quanto à coragem de dizê-lo, não acho que seja uma grande novidade, apenas que eu não saiu por aí gritando, mas nunca o neguei. Contudo, e embora respeite o seu direito de não se identificar (a Constituição tem uma opinião diferente sob algum aspecto), acho que a sua premissa talvez sirva pra mim, que sou corajoso, segundo você, ao dizer isso em público mas não pra você, que fala no anonimato.
De qualquer maneira, continue vindo ao blogue, é bem vindo.
Ana, nem de longe imaginava que seu voto na enquete fosse diferente. Aliás, com ele, parece que vamos a cinco a dois para o imbecil aqui.
Quanto ao humor, concordo contigo, se tivesse usado teria ficado melhor, mas não alancei como chegar nele. Paciência é o que peço, um dia eu melhoro, e espero que você ainda aqui esteja para o verificar.
Natabisnaga, sou parvo e honesto, ainda bem! O que não me eximiria de ser um imbecil mas espero, muito mesmo, que não me leve na barca do céu, pois de lá quero reverente distância.
A questão é realmente esta: até que ponto eu estava de fato defendendo uma posição? E até que ponto a defesa dessa posição pode ir num caso razoavelmente banal como este? Eu não sei, de verdade.
Obrigado mesmo, muito por vir ao blogue, ler e comentar. Espero que volte.
Marcos, a despeito dos efeitos que um comentário como o citado no texto acabe acarretando, acho um absurdo incrível jogarem lixo no chão com latas de lixo espalhadas. É de fato uma questão de respeito e educação, assim como o fazem motoristas, que poderiam dispor de saquinho ou lá o que fosse e não atirar o lixo pela janela.
Claudia, eu não o tenho certo de que não jogarão mais lixo na rua, mas tenho certo de que, ao menos, cada vez que o fizerem ou pensarem em fazer, lembrar-se-ão da cena. Lá na prática o que isso tenha de efeito é justamente a pergunta introspectiva que me diz que sou um imbecil por me meter na vida alheia.
Quanto à serenidade, fui dotado de uma grande preguiça e cansaço para responder a agressões sem muito refinamente intelecutal.
Você no blogue é um prazer raro e que deixa muito feliz, venha mais, comente mais.
Não entendo nada de Constituição e direitos... não me interessam!
Todavia entendo um pouco de anonimato e posso te garantir que o anonimato nem sempre é um ato de covardia ou de voluntariedade, pq nem sempre ele serve pra proteger o anônimo, mas o receptor de sua mensagem!
Contudo, do mesmo modo que não entendo de direitos e constituições, não espero que entenda de proteger a terceiros... Não é do seu feitio enxergar além do próprio umbigo!
Anônimo, tão pouco eu entendo de constituição. E, como você bem disse, menos ainda de anonimato.
Novamente concordo contigo, eu nunca olhei para além do meu umbigo e nada entendo de proteger a terceiros. Contudo, se a sua preocupação é me proteger com o seu anonimato, descansa: estou carecendo de nenhuma proteção, e exceto que você seja a Rosa Maria Machado Silva, minha mãe (retórica, nem se você for ela), a minha decepção em saber que você me acha um idiota egoísta não me levará a acabar com a minha vida, ou desistir deste blogue (desisto dele por muito menos).
Entretanto, mesmo isso não importa muito: me dou por satisfeito que continue a vir aqui a ler e comente, anonimamente ou não, os textos.
Só uma coisa me deixa, afinal - porque também sou gente -, curioso: pelo que diz (e não pelo que demonstra, uma vez que me achar egoísta e estúpido pode ser uma só apropriação do que eu mesmo venho insistindo)você me conhece um bocado, sobretudo se se arvora no direito de me preservar com seu anonimato. A curiosidade é só por conta da contradição, e não quero fazer disso uma discussão infindável, porque, desde já, concordo que a razão está com o leitor.
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