terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Outra histórinha de criança

Silvinho e a democracia dos árabes
Sílvio Cardoso tinha cinco anos e estava muito preocupado com a guerra no Oriente. Não que ele soubesse o que era oriente ou ocidente, mas escutara sobre a guerra no país longínquo. Soube pelas televisões que por causa de uns aviões que pessoas más jogaram em cima de dois lindos prédios nos Estados Unidos, matando milhares de pessoas (também não tinha noção muito exata do que seriam milhares, andou dizendo a coleguinhas de escola que os mortos foram milhões), os homens bons desta grande nação estavam agora caçando o malvado que havia matado tanta gente, a troco de nada. Perguntou ao seu avô, Estevam Alves, quem eram os tais bandidos, ao que este respondeu:
— São os árabes islâmicos, o pessoal do Saddan Hussein, os mesmos que invadiram e conquistaram a terra de onde viemos, meu neto, são os mouros. Agora eles têm um novo líder, chama-se Osama Abin Labem, que quer destruir a democracia do mundo ocidental.
— O que é democracia, vovô? — perguntou o menino.
— Silvinho querido, a democracia é o modo de vida que nós levamos. Temos direito de torcer para o Corinthians, de acreditar em Jesus, e não em Maomé, somos livres, podemos trabalhar e viver de acordo com o que pensamos.
— Quem é Maomé? — É um árabe muçulmano — respondeu já irritadiço o avô.
— O que é um árabe muçulmano?
— Já disse, Sílvio, é aquele pessoal que joga bombas na gente, e eles inventaram o kibe, a esfirra, essas coisas.
— Mas vô...
— Ora, menino vá brincar!
Ficou assim Silvinho sabendo com apenas cinco primaveras que os árabes jogavam bombas na democracia Corintiana e comiam kibe, o que só fez aumentar a raiva que sentia por gente que matava milhões de pessoas como ele só por que não torciam para Jesus. Então Silvinho convidou Nonô para ir à sua casa ao final da escola. Na perua do caminho de volta, Sílvio Cardoso explicava a Fernando Scabello a história da guerra:
— Nonô, você sabia que os árabes romanos gostam de matar milhões de pessoas só por que não comem kibe e acreditam em Jesus?.
— Mas eles matam qualquer um que não acredite em Jesus? — perguntou assustado Nonô.
— Todos! Inclusive as crianças que não comem kibe e não usam democracia na vida.
— O que é democracia?
— Democracia é a gente, os que torcem para o Corinthians, mas também quem não torce para o Corinthians, mais todo mundo que acredita em Jesus e não no Mané — disse calmamente Silvinho, demonstrando seus conhecimentos.
— Então eu gosto da democracia, mas gosto de kibe também, tem algum problema?
— Ah, isso tem sim, vai ter que parar de comer, se não vai ser um deles e vai ter que pilotar os aviões que trombam nos prédios — asseverou com firmeza o Silvinho.
— Que avião, que prédio? — Nonô estava assustado.
— Então você não vê a televisão? Os árabes mouros jogam aviões com bombas nos prédios de pessoas boas que se reúnem para acreditar em Jesus.
— E morrem todos?
—Todos, mais de milhares, milhões. É por isso que precisamos ajudar a democracia. Vamos fazer estilingues que depois a gente empresta para acertar os árabes africanos.
Então Sílvio e Nonô passaram a tarde toda construindo estilingues, e realmente fizeram muitos, coisa de milhões. Pretendiam usar todos eles na guerra contra os árabes e foram dormir exaustos naquela noite, mas contentes pela ajuda que dariam à democracia de Jesus. Aconteceu de na manhã seguinte, enquanto Sílvio e Fernando estavam na escola, Mateus Estrella, pai de Sílvio, professor universitário federal de física, passar pelo quarto do moleque antes de ir para a manifestação do dia, que seria na inauguração de uma creche, onde estaria o ministro Carlos Roberto. Ao ver os estilingues, não titubeou “Ah, tomates podres! Nos enchemos deles e vamos acertar o filho da mãe”. Dito e feito, carregou os dez estilingues feitos pelo filho e o coleguinha e foi para a manifestação acertar tomates no ministro. A coisa não saiu tão bem como o esperado, pois os professores não eram lá muito bons de mira, e no final das contas ninguém conseguiu acertar o ministro, ainda que Mateus tenha chegado perto, mas o alvo realmente atingido foi um secretário de educação municipal, um tal Rodrigo de Carvalho. Mesmo assim ele pensou que não estava flagrantemente mal como os Estados Unidos, afinal, sede da Cruz Vermelha e base inimiga são realmente diferentes, secretário de educação e ministro da educação, farinha do mesmo saco. Ocorreu de por azar, justamente quando acertou o secretário, a polícia abafar com os cassetes, aliás, muito mais precisos que os estilingues, e Mateus foi preso por desacato, perturbação, tomatada etc. Passaria a noite no xilindró, dando uns depoimentos.
Quando chegou em casa, Silvinho foi direto ao quarto procurar os estilingues, mas não os encontrou, evidentemente. Correu atrás da mamãe, dona Marlene Waideman, a perguntar o que tinha acontecido e ela, chorosa, disse que não sabia dos estilingues mas precisava de dizer uma coisa importante ao filho, e então contou que o pai estava preso num prédio grande e demoraria um pouco a voltar. Sílvio chorou bastante pela ausência do pai e também por saber que este estava preso num prédio. Foi procurar o avô Estevam:
— Vô, o senhor viu meus estilingues?
— Meu neto querido, acho que o papai precisou levá-los.
— Para quê, vovô?
— Ah, meu neto, eu avisei seu pai para não ir atrás de confusão, mas ele resolveu se meter com sindicato, com greve...
— O que é greve, vô?
— Greve é um pessoal que faz baderna, confusão, e acaba desafiando a democracia, lembra da democracia que contei pra você?
— Claro que lembro, vovô. Então papai usou os meus estilingues na democracia?
— Na verdade papai usou os estilingues contra a democracia, por isso está na cadeia.
— O que é cadeia, vô?
— É um prédio grande onde eles colocam quem desafia a lei e a democracia.
— Vô, o papai vai voltar logo? — perguntou carente o menino.
— Não sei meu filho, vamos torcer para que volte.
— Vô, se o papai usou meus estilingues contra a democracia, será que a gente podia pedir para os árabes jogarem aviões no prédio onde papai está, para ele poder sair?
— Não meu filho, claro que não! Olhe, vá brincar que papai estará aqui logo.
Silvinho ficou quieto o dia inteiro, esperando o papai chegar. Na escola combinou com Nonô de irem a casa deste fazer estilingues para atacar a democracia e ajudar a soltar o papai daquele. Convenceu facilmente o amigo, afinal, Nonô e Silvinho não iam lá muito com a cara da democracia, pois, apesar de torcerem para Jesus e o Corinthians, gostavam muito de kibe, sobretudo com coalhada.

2 Pitacos:

Jú Pacheco disse...

Hahaahha!

Mto bom!!
Dorei!

Juliano Machado disse...

Jú Pacheco, obrigado. É tolinho, mas a idéia era essa.