Hoje estou com Lídia. Mas, há pouco tempo, dois meses atrás, estava com Ana. E, no começo do ano, a paixão foi Joana. A questão não é ser volúvel, mas, como essa troca constante de parceiras pode descontruir o homem, ou então faze-lo arremedo de prédio, daquelas construções que foram sendo reformadas épocas e épocas sem respeito à arquitetura original. Sou submisso, e este é o ponto. Se a mulher que amo pede, faço na hora e ainda abano o rabo. Haverá homens que se mantêm absolutamente fiéis aos seus gostos, suas preferências estilísticas, claro. Não é o meu caso. Lídia me comprou um sapato de bico muito largo, parecem uns pés-de-pato. Horríveis. Não obstante uso-os com um sorriso largo do mesmo naipe que o pisante. Tenho um amigo que odeia cebola, mas, mesmo assim, faz questão de come-las com júbilo quando o seu benzinho prepara algo com esta espécie de aliácea. Do exemplo contrário não vou falar, que todos nós sabemos e em verdade a maioria dos homens é assim: faz o que deseja e do seu jeito. O futebol é um caso clássico. Os homens não abrem mão deste espetáculo, sobretudo aos domingos — que consideram sagrados —, e os programas esportivos posteriores também. Gosto muito de futebol, mas se a Lídia (que pra falar a verdade até gosta do esporte, quem não gostava era a Virgínia, meudeusdocéu, não podia sequer ligar a televisão em dia de jogo. E minha índole funcionava perfeitamente. Corinthianíssimo que sou, fui passear de mãos-dadas numa praça no domingo da final de 1999, tomando picolé, enquanto o meu Timão era Bi-campeão Brasileiro. Ela me disse que seria uma prova de amor, nem precisava, não sei dizer não à mulher que amo), enfim, ia dizer que se a Lídia me pedisse para não ver o jogo da final, não veria. Exceto Copa do Mundo com o Brasil, aí até eu que sou molenga, endureço. Dizem que mulher não gosta de homem submisso, vai ver que é por isso que meus relacionamentos duram pouco. Se bem que, por incrível que pareça, quem dá a declaração de fim do romance sou sempre eu. Talvez a mulher se compadeça do bonzinho que sou e, incapaz de me fazer sofrer, se vai fechando em si mesma e se tornando propositadamente insossa ao meu gosto. Aí, por que não vejo mais graça, termino e nem me dou conta de que quem terminou foi ela. É, creio que é isso. Aliás, há uma história curiosa, exemplo de como uma pessoa pode enganar-se a si própria, no caso corrente, eu mesmo. Namorava uma jovem linda chamada Inês de Castro que execrava bebidas alcoólicas. Bom, eu sempre fui chegado num uísque, numa cerveja, num bom vinho, naquela caipirinha de pinga. Acontece que não havia meios de conciliar as coisas, a Inês odiava beber, e pior, não suportava o cheiro. Para não brigar, e novamente incapaz de dizer não, parei de beber completamente, sequei. Ora, evidente que não poderia dar certo. Ao cabo de uns quantos meses considerei que me tinha tornado uma pessoa mais azeda e mais triste sem o álcool, e deixei Inês. Não podia beber na presença dela, mas ela não estando, não precisava contrariá-la. O Bar da Esquina de Sábado me recebeu de braços abertos, nota Dez. Digo que não sei dizer não às mulheres e minto. Ficou provado que a esta senhora bebida eu sei dizer basta, nem que seja por período curto de tempo. Mas a culpa foi da Inês, a vida não precisa de radicalismos. O que estava querendo dizer no princípio e me perdi, é que o problema não é ser submisso, tão pouco volúvel. O problema é ser as duas coisas ao mesmo tempo, esta triste sina minha. Se se passa tempo longo com alguém se deixando moldar pelos seus gostos, tudo bem. Passando pouco tempo a coisa se complica, as combinações tornam-se difíceis. Temos uma namorada que gosta de roupas clássicas e além dos nos presentear nesse quesito nos faz comprar peças dessa linha, a próxima — dois meses depois, três — faz o gênero esporte e nos compra bermudas, camisetas de jogador de tênis, sandalhas chamadas de papetes com grande tendência à afetação. Para não falar musicalmente, uma gosta de MPB, a outra de pagode, uma ainda de Eletrônica, e eu me debruçando em todos os ritmos. Vira uma zona, e ainda por cima ouvimos enxovalhos. Logo que o relacionamento com Joana acabou, no começo do ano, estava em uma festa com Ana (a imediatamente anterior à Lídia, pensando bem, não sou assim tão voltívolo). Por pura coincidência meu aniversário fora duas semanas depois de ter conhecido a Ana — faço aniversário em 21 de fevereiro — e ela me presenteou com uma bela camisa. Fui, então, à tal festa trajando o estimado presente. Vesti uma calça qualquer, calcei um sapato qualquer, ignorante de que os tais sapatos houvera sido presente da Joana, e mais ignorante ainda de que a própria estaria na festa. Pois estava e no único ensejo que lhe ofereci de estar sozinho, se aproximou e disse, “Cretino, estes sapatos fui eu quem dei, por acaso as cuecas são presente da magrela?”. Joana, por certo tempo depois de termos terminado, insistia em chamar Ana de a Magrela, muito provavelmente por algum despeito inconsciente, sabendo-se sólida, bem composta. As mulheres têm disso também, apesar de ser linda e muito saborosa, Joana provavelmente se comparava à esbeltez de Ana, verdadeira la flaca. Curioso é que Joana deve ter achado bela a camisa que estava usando e ainda gabado-se imaginando que eu tinha ao menos aproveitado um pouco do seu bom gosto e comprado aquele fino, desconhecendo ser presente de Ana. Mas isso até que não me causou tanto problema, Joana e Ana têm gostos muito parecidos. Sei que podem pensar que sou um pau mandado. Na verdade não o nego, vivo bem e sou feliz assim, oferecendo-me como instrumento para o deleite das vontades femininas. Acho, aliás, que isto até me ajuda na conquista, na aproximação, porque é impossível que eu não seja dócil e atencioso com as palavras e necessidades das mulheres, uma vez que, querendo ou não, concentro-me em lhes fazer as vontades todas. Quando conheci Lídia, minha atual, passou-se algo assim, assim como um demonstrar instantâneo de que sou atencioso ao extremo (e também frívolo, embora ela não saiba). Conheci Lídia no intervalo do primeiro Ato de Aída do Verdi. Tendo amigos em comum, ouvi-a confidenciar a um desses que estava com uma enxaqueca terrível e que precisava ir embora, conquanto não lhe apetecesse pegar um taxi. Prontamente, metendo-me na conversa ofereci-me para leva-la à sua casa, “Eu te levo, agora”, “De jeito algum, não quero que perca a apresentação”, então respondi calmamente mas resoluto, “Não tem problema, não é a primeira e não será a última experiência minha com Verdi”. Desta maneira, mesmo sabendo que não aconteceria nada — como não aconteceu — levei-a até em casa perdendo a ópera maravilhosa e 250 reais da entrada do Municipal, além dos outros 250 do convite de Ana que eu havia comprado antecipadamente, sem saber que teríamos uma briga séria na véspera do evento. Claro que valeu a pena, no dia seguinte não foi difícil descobrir o telefone e ligar perguntando se a cefaléia havia passado. Mesmo assim é uma complicação. Vivo chamando a Lídia de Ana, assim como chamava Ana de Joana, Joana de Inês, Inês de Úrsula, Úrsula de Carlota, Carlota de Lígia, Lígia de Cecília, porque, em menos de dois anos, estas todas foram minhas namoradas firmes e fixas, na medida em que era quase fixo o tempo em que as substituía. No dia 06 de janeiro, na festa de aniversário de um amigo, um outro amigo — ah, o que não gosta de cebola — me disse que não era tão mau assim, que a única coisa que eu deveria fazer era parar de ser tão voluntarioso à vontade das minhas amantes, “Fica assim resolvido o seu problema”, seguia dizendo este amigo, “Pois, tratando-as um pouco mal, elas não vão ficar no seu pé quando o romance acaba”. Acho que ele tem razão, enfim. Tanto que prometi mudar de atitude daqui para frente, sob pena de mudar meu nome e não me chamar mais João Zuckerman. Coitada, quem vai sofrer as conseqüências disso é a Lídia, que apesar de alguns pesares, andávamos caminhando bem, já há um mês e meio. Mesmo com uma calça e uma camisa, vários cds de jazz, além, é claro, dos sapatos de pato, não será possível mantermo-nos juntos. Se vou começar a estrear uma nova filosofia de relacionamentos, preciso começar com tudo novo. Ah, Hilda, mesmo que eu chame você de Lídia algumas vezes e aceite, quem sabe, uns óculos ou um perfume, ou mesmo uma pegar uma rave, garanto que nunca mais deixo de assistir ao futebol aos domingos pra que tudo corra bem entre nós. (este conto foi originalmente publicado em 02 de abril de 2007)
quarta-feira, 26 de dezembro de 2007
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