sexta-feira, 29 de abril de 2011

O avô de uma amiga foi comandante do Rei Husseim da Jordânia

Peço, como sempre, contrito, desculpas aos meus parcos leitores por ter atrasado a data da Bazófia, mais uma vez. Fiquei duas semanas sem escrever, embora tenha escusas: a primeira quinta foi dor: de amor, de tristeza, de ausência, de isquiotibial, de futilidade, tanto faz; a segunda quinta seria preguiça, feriado, dane-se. Hoje, atrasei pois fui viajar a Rio Preto pensando que posso resolver coisas que não posso resolver, ainda que eu queira muito. Sem mais delongas, vamos à Bazófia de quinta, publicada na sexta, meus tão pacientes leitores (quando o parangolé começa com desculpas boa coisa não vem).
São cinco e vinte e três da manhã da sexta-feira. Acordo. Como o velho Hemingway (medíocre escritor, bom jornalista, curiosa personalidade), abro uma garrafa de Buchanas 12 (ele bebia algum bourbon fora das minhas posses). E vou tencionar escrever versos em que direi o contrário. Lá que se me parta a alma ao meio porque preciso publicar um texto na Bazófia, esta caridade que me faço todo dia como um gato que se lambe quando o dono (ou qualquer outro) o toca. Vou para lá. Escrever sem revisão à base de (que ocioso repetir os benzodiazepínicos, os isrs e a interação com o doze anos). Memória musical dos meus versos inúteis. Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse e não ficasse sempre defronte da tabacaria de defronte.
Certa vez me perguntaram, assim como quem não quer a coisa: "o que te faz feliz?" Respondi: " Nada. Não acredito na felicidade. Mas há momentos felizes, sim. Livros, minha cachorra, amor, alguns amigos etc: sou um homem comum, como me explicou Philip Roth". Não creio que o tenha respondido mal. Claro que cerceei a resposta como quem escreve um diário para a posteridade (não era Camus que dizia que a posteridade não existe?), mas o fato é que disse às folhas o que disse. Vamos em frente. A referência geral é ao Rubem Fonseca e o Diário de um Fescenino.
Eu não posso viver sem ar. Mas ninguém pode. Mas também não posso viver sem ler (que pedantismo mais ultrapassado na era da internete), música, Doutor House e correr. Na verdade me sinto muito melhor correndo do que lendo ou escrevendo (isto é plágio de Ana Cássia Rebelo). Manuel Bandeira me disse sempre, desde eu menino: tenho medo de ter medo na hora de morrer. Penso se o príncipe Hamlet pensou nisso e chegou à minha conclusão: não, não pensou. Se não sabemos nada daquilo que aqui deixamos, que importa deixá-lo antes? Seja o que for.
Sou dado a falar sozinho. Converso comigo o tempo todo, em voz alta. Isso, essencialmente, não vacila a minha convivência social já que em regra eu não tenho uma convivência social. E como  para mim a paciência nunca foi uma virtude, só me irrito se o garçon demorar na próxima dose (por sorte escrevo sob os auspícios benevolentes do tal de Buchanas. Então, sem dó, me fustiguem: tu és feliz, ó da patuléia? Não. Estou nu).
País de merda, e eu nem sou sociólogo. Por isso o que me faz falta é Slavoj Zizek e o seu conceito de excesso contemporâneo, que eu consigo, numa firula conceitual, alcoólica, ansiolítica e plagiada relacionar: alguém se lembra que Voltaire (que não se chamava Voltaire) disse que "ninguém encontrou nem jamais vai encontrar"?  Sinto saudade até hoje do Joaquim, do Traste e do meu pai.
O Manoel de Barros - se a diferença para o outro Manuel ficasse apenas entre um "o" e um "u" -  enfim, o não menos poeta Manoel de Barros dizia que o poeta é aquele que tem a habilidade de comparecer aos próprios desencontros. Lá ser poeta em Praga, é o único lugar que tenho verdadeiramente vontade de me encontrar. Paris, me perdoa mas eu já te conheço, e você anda ficando suja (assim me disse a culpada de todo este sofrimento).
Ando cheio de arrependimentos. Aliás, minha vida é uma sucessão de erros, más escolhas, confusões, de modo que pode até haver esperanças, mas certamente não para mim (isto é Kafka). Eu não trabalho em nada e não quero fazer produzir nada, tiro meu sustento de coisas inconfessáveis. Perguntar-se-ão: qual a relação com o assunto do mesmo parágrafo? Responder-lhes-ei. É óbvio, a culpa me puxa para trás.
Pode parecer piada, mas há uns incautos (me ajuda Amílcar Bettega Barbosa, só pode ser piada que a gente exista e que nos vejam) que me perguntam se sou rabugento, se gosto do meu jeito "impar" de ser e eu fico moído pensando que essas pessoas estão infelizes, desempregadas ou muito felizes e empregadas (ou ricas). Todos os trilhos vão dar no matadouro e por mais que de cinema quaisquer de vocês entendam, todos sabem que esta é a única sessão. Evoé Ascher. Nelson Ascher, o leiam, eu imploro rojado aos seus pés meus parcos leitores (já não sei, neste parágrafo se são dois ou apenas um).
Ontem me perguntaram, em primeira pessoa, qual era a minha frase predileta no momento. Como eu manco, achei conveniente não zombar de quem crê que há predileção momentânea em questões existências (claro que há, mas só há uma resposta, o que torna a pergunta um falso silogismo). Dizia, perguntaram-me qual a minha frase do momento e eu não titubeei: "Ninguém encontrou nem jamais vai encontrar, do Voltaire" (já citada acima, que enfadonho). Cinco segundos de silêncio e a réplica: "Mas o que você procura?" A blague foi tão forte que fui obrigado a ser pernóstico (como meu novo e grande amigo Guile ousou me chamar): "é mais tarde do que supões", de uma das poetas mais lindas que eu conheci. Hilda Hist. De qualquer forma, kids, é inútil procurar.
O meu maior problema, incomparavelmente com as dissonâncias familiares, as complicações financeiras, os percausos da saúde, é que acho que fui uma criança enjeitada. Papai não tem culpa. Embora odiasse o fato de eu ser muito bom em futebol (coisa que meu avô materno adorava - eu gostei dele menos do que podia, culpo-me, também) ele (pai) me  incentivou a conhecer muitas coisas (o que, infelizmente, e não por culpa dele (pai) chama-se Pindaíba, km 145 da Rio Preto-Matão).
Eu queria ter as seguintes qualidades: compromisso; justiça; compaixão (embora não saiba como usá-la); gratidão (sei muito a quem devo, mas sou canalha e não pago nem com sorriso, um único sorriso, mamãe); humildade (tenho vontade de rir quando penso em tentar ser humilde); simplicidade (boa questão, é incrível, mas sou simples); tolerância (rá. Eu não gosto de judeus, armênios, palestinos, árabes, brancos, pretos, calvos, estenógrafos, militantes, açougueiros, livreiros, seguradores, pintores de parade (me avô materno foi), quitandeiros (me avô materno foi); ETs; empregados domésticos, funileiros, cientistas, apresentadores de palco, maquinistas, pintores, romancistas, práticos (isso dá uma grana, deveria repensar); dentistas; engenheiros; médicos; agentes de viagem; José Saramago, o primeiro teste foi no Ano da Morte de Ricardo Reis, chovia em Lisboa.
Chove em Lisboa, a noite acabou e nenhum auto passaria sobre o meu corpo. Não acredito que estejam aqui na próxima quinta(?). Sinto por todos ( que vierem, é claro).

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Quanto será preciso dizê-lo?

(em virtude da inesperada repercussão desse texto, fui obrigado a colocar este breve prólogo para explicar que em literatura - não que eu ache que faço literatura - autor e personagem, autor e narrador em primeira ou terceira pessoa não se confundem. O que vai abaixo é uma ficção, uma história, uma invencionice. Sugiro a todos, depois da leitura - ou mesmo antes - que entrem no link acima onde explico mais pormenorizadamente o que é a síndrome de Zuckerman que leva o leitor a confundir no texto personagens e narrador com o autor. Vou deixar o link aqui também:  http://julianomachadobazofia.blogspot.com/2007/12/sndrome-de-zuckerman-um-mal-que-ataca.html









Voltei a pé. Havia apenas uma poalha que, ao contrário de incomodar, me ensinava a colocar as mãos para dentro dos bolsos da calça e encolher o corpo, como se sentisse frio, mas não sentia, não ali. O frio, o vento e a chuva estão sempre cá dentro em algum lugar que eu não consigo identificar (mas porque tenho córtex pré-frontal, não sou tão ingênuo, e o romantismo soaria tolo neste momento, então sei que é na cabeça). O enterro foi sereno, triste como todo enterro, banal como todo enterro. Uma pessoa querida, pai de um bom amigo, a família, consternada, chorou muito. A morte não me abate. Mas a vida (não nessas ocasiões, mas em todas as outras) sim.  Considerei digno da parte de deus deixar o dia nublado, um vento frio (eu não sinto frio, mas estava um fiozinho aconchegante) e a garoa tão fina que parecia que alguém tentava chorar, mas sequer podia fazê-lo. A morte sempre será um problema dos vivos, os mortos não têm problemas.

A minha perda foi anterior e a evidência da perda há dois atrás. Mas eu sabia que perderia. Neste caos que se tornou a minha vida, tenho a obrigação de saber, de antemão e com consciência resignada de que serei derrotado. A minha metáfora falsamente kafkiana (eu sou uma fraude) é a da corda-bamba.  A Marlene gosta da expressão "fio da navalha". Eu acho que cair, como sem dúvida cairei (e já caí muitas vezes, o sofrimento quando é novo, é até divertido, e o itabirano maior me contou, ainda eu menino, que isso o divertia no espírito) é pior do que se cortar. A dor não me assusta, me assusta ter de levantar dolorido e meter-me a tentar me suster aqui no alto, com o baraço a se mexer ininterruptamente (um Prometeu frangote).  A absoluta consciência da derrota e da perda não fazem delas menores, nem menos humilhantes, antes demarcam com violência o estado de vazio, a abstenção do olhar.

Pouco percebi do caminho. As inclinações e sujidades do passeio, as pessoas no sentido contrário (estou sempre na contra-mão, ainda que ande pela mão dupla), os cães existindo, o barulho dinâmico da cidade não me tocou. Só sei que eles passaram por mim (ou antes eu passei por eles – a diferença é enorme) porque não é a primeira vez que desço à vila nestas condições e já houve melhores momentos em que me permiti ver, reparar, sentir o que estava em volta. Como o remédio de dormir que já não faz mais efeito, talvez o meu olhar esteja se tornando gris, e o baixo-relevo aqui é imagem para o rés-do-chão (não sento no meio fio porque não me apetece, não que tenha horário ou compromisso a esperar), mas hoje prefiro o silêncio. Cheguei em casa, e fui ler o que havia escrito, o emeio em que contei quem eu sou, de fato, sem piedade e sem dar margem a qualquer confusão, ainda que você goste de mim.

Admitir para si mesmo o fracasso pode ser, em algumas situações, o passo para transpô-lo, para reiniciar, para intentar um novo projeto. Li isso em algum livro de auto-ajuda. Porque é tudo besteira. O caos que a vida é não está interessado em boas intenções e se isso não fosse o bastante, a culpa é minha, toda minha. Tive os meios de não me tornar no que me tornei e perdi as oportunidades uma a uma como quem se serve de um doce pensando que ele nunca vai terminar. A verdade é que minha história é, como lhe contei, uma sucessão de erros e más escolhas, a sempre presente mania de comparecer aos meus próprios desencontros, de modo que fui obrigado a dizer-lhe que não existem desculpas nem perdão, muito menos qualquer esperança para mim.

Eu sei que deveria ter-lhe dito o que escrevi em sua frente, olhando nos seus olhos. Não creio que isso fosse impedi-la de ir embora, como de fato não impediu, mas ao menos eu teria sido honrado o suficiente mostrando o exaspero pelo que eu sou é sincero. E por isso você está freqüentemente em outra cidade (não importam as distâncias – a distância é sempre apenas uma). Eu jamais poderei ir ao seu encontro, a não ser eventualmente e isso, por si só, me humilha como se eu fosse um bicho sujo que rasteja, e lento, só pode andar poucos metros por dia. Não é bem uma metáfora, é uma impossibilidade logística e como toda coisa ridícula da qual tenho medo e vergonha, apenas uma repetição. Dizer, à la Caio Fernando Abreu, que cheguei ao meu limite, que não sinto gozo ou tormento, que os olhos não vêem é de uma covardia que nem eu vou alcançar desta vez.

Eu fico parado em frente ao ecrã do computador. Giro uma página, giro outra, leio um blogue de que gosto, passeio pela rede social. Tomo um livro, leio-lhe vinte páginas, torno ao jornal e vou finalmente varrer o quintal. Aquela poalha da manhã transformou-se numa enorme bátega, com ventos cortantes que desfolharam a árvore das traseiras da casa. Tudo isso enquanto lia aqui, e aqui escrevia este texto que pretendo publicar em meu blogue. Há na tarefa que farei daqui a instantes algo muito peculiar que é transformar a tristeza latente em resignada. Como? Geometria. Acomodarei os montículos de folhas separados em formas geométricas nos grandes quadrados de concreto que estão para além dos assimétricos e não-lineares tijolinhos que formam a cerca que delimita o jardim.  Posso tentar, se quiser, antes de meter para o saco de lixo as folhas que "irremediavelmente sobejam no quintal" espalhar num dos quadrantes e procurar, quem sabe? algum padrão fractal estatístico. É faina que ocupa a cabeça não ao ponto de esquecer todo este desencontro em que nos metemos, mas para... eu já expliquei (preciso me lembrar de que já te disse o que tinha de dizer pela internete – ao invés de ao vivo – e que este texto é para os pobres leitores do meu blogue, e não para você. É, eu tenho um blogue, um blogue que você lê. E tenho pouca coisa além disso.

Há uma saída que implique em, além de aceitar que não possuo meios materiais de acompanhá-la, dê conta de que é pouco provável que uma personalidade melancólica de crisalha venha a cantar como um japiim? Posso considerar que tirar a barba, cortar o cabelo, arrumar um emprego de entregador e pedir que diga à sua família que eu vou daqui para adiante crescer como nunca antes se viu mudar o fato de que, a despeito de tudo isso (que não é verdade, nós todos sabemos) ainda continuarei a ser descrente, desinteressado e sem compreensão do sentido geral das coisas? Penso num grande feito: ficar muito rico, escrever um livro, salvar uma criança num prédio em chamas, descobrir um esquema de corrupção na merenda escolar, a resolução de um teorema matemático daqueles que valem milhões (novamente ganhar dinheiro), e tudo isso me soa vazio como, ao voltar da varreção do quintal, ir ler Hamlet ou Fernando Pessoa ou até mesmo Freud. Sabe por quê? Porque a permanência não está em parte alguma (e como sou desprezível mas não mentiroso, cito que esta frase essencial é de Rilke e não minha). É por isso que não peço mais para ficar e espero que você vá, ou melhor, que continue. E peço aos leitores deste blogue que me perdoem o estilo confessional de um texto que não sabe o que é, e que procurem outro blogue para ler, este vai acabar pois já acabou faz muito tempo.