quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Ler

Já que estou voltando ao blogue, pensei que poderia conversar um pouco sobre internete. As modificações que ela causou na vida das pessoas (de todas elas, embora ainda haja gente no Brasil e no Sudão que não tenha sequer água encanada e esgoto tratado) são da ordem das maiores revoluções do ser humano (me lembrei que há um filósofo brasileiro contemporâneo que gosta de dizer que o Viagra fez mais pela humanidade do que o Marxismo – pra mim nenhum dos dois foi de grande valia – ainda).

Mas há algo na velocidade e na quantidade de informação na internete que me incomoda, e não tenho certeza absoluta se é só uma percepção exagerada ou se dá para quantificar isso (embora tenha lido uns não sei quantos artigos que defendem e uns vários outros que refutam a minha tese): as pessoas não querem mais ler nada muito grande, e estão emburrecendo. Aliás, as pessoas nunca gostaram de ler nada, grande, então, nem pensar (aliás, as pessoas também não gostam de pensar).

Durante muito tempo acreditei que os pouquíssimos comentários (pitacos) que este blogue recebia (normalmente de parentes, amigos e um ou outro leitor contumaz – interessante a etiologia de contumaz, procurem no dicionário se tiverem tempo) deviam-se mais ao fato de que as pessoas não se sentiam à vontade (tinham vergonha mesmo) para comentar os textos, dar opiniões ou simplesmente dizer um gostei ou não gostei: ledo e Ivo engano: depois do surgimento do Facebook e da teclinha "curtir" (para quem não conhece, no Facebook, a maior rede social do mundo na atualidade – já ultrapassou os 500 milhões de usuários – há uma ferramenta que fica embaixo de algum comentário que se faz em sua página principal que seus amigos podem "curtir", e deixarem assinalado lá seus nomes mostrando que se interessaram pela coisa dita – que também pode ser uma foto, um vídeo, qualquer treco); dizia do meu Ivo engano: as pessoas adoram comentar, adoram curtir, adoram mostrar que passaram por ali e viram o que foi escrito (e que vejam que você viu que elas viram).

Meu exemplo particular é que quando anunciei que voltaria a escrever no blogue tive onze ou doze "curtições" e mais cinco ou seis comentários. Pensando que quem curtiu também comentou, mas não foram exatamente os mesmos, digamos que umas oito pessoas leram e comentaram ou curtiram a notícia de que havia um texto novo no blogue. Agora role a tela para baixo e veja quantos comentários há no texto em si: me desculpem pela choradeira, o resmungo e o alanzoar sem-fim mas isso para mim só quer dizer uma coisa: ninguém gosta de ler textos grandes (nem médios, nem meramente "maiores"). Ou seja, não é que não quiseram comentar o texto por algum motivo, simplesmente não leram (estou aqui sendo obtuso e presunçoso ao descartar que simplesmente os leitores acharam o texto horrível e nem meritório de um comentário, mas presunção é sobrenome desta Bazófia).

Para não ser absolutamente descrente (embora possa parecer até pior do ponto de vista humano, mas só para aqueles que não conhecem o tamanho da miséria humana), creio que seja preciso levar em conta também, no caso dos "curtir" e comentar do Facebook a "economia da reciprocidade": eu faço algo para agradar alguém porque quero que ele me faça algo. Então eu curto um comentário seu, logo você pode deixar de ser ingrato e ir curtir ou comentar algum poste meu, e como pouca gente hoje tem um blogue... Desafio do dia: quantas páginas tinha o último texto que você leu?

p.s. – não vou nem citar o Twítter como exemplo máximo disso porque seria ocioso, 140 caracteres e na maior parte das vezes abreviadas as palavras.

9 Pitacos:

Carolina disse...

"Curtir"

Como uma das mais novas assíduas leitoras do bazófia... só tenho a dizer que estou feliz que voltou a escrever! Estou me deliciando com os textos antigos e muito curiosa para os que virão! beijo

Juliano Machado disse...

Carolina, obrigada por "curtir" o texto. Nada melhor do ganhar novos leitores e nada melhor do que pescar palavrinhas como "deliciando" com aquilo que a gente escreve. Aí dá vontade de escrever mais, espero que continue voltando.

beijo

Dura na queda disse...

Juliano, gostei do seu texto. Embora "grande", dá pra dizer que ficou bem exuto e coerente. Será que está ficando menos prolixo graças ao Facebook? rs... Essa é uma discussão que não tem fim, mas gostei da provocação do seu texto, que ficou, pra mim, bem marcado com suas características. Muito bom! Não "curto" porque não uso mais redes sociais, então "aprecio", rs...
Quanto ao desafio:
Estou na página 82 de um livro da Jane Austen que trouxe de uma viagem, e também lendo aos poucos um outro livro sobre Modigliani. Devo a alguém muito especial a melhoria das minhas leituras e a atenção que dedico a tudo hoje em dia.

Continue escrevendo que a gente continua por aqui!

beijo

Dura na queda disse...

Peguei no "Aurelião" e estou aqui rindo de "contumaz". A provocação que já havia notado apontou ainda mais o dedo pro meu nariz.

Ai ai... bem vindo de volta, Juliano Machado!

Gostei mesmo do texto.

outro beijo!

Tatiana Machado disse...

Juliano, gosto das ironias e provocações de seus textos. E, apesar das auto-recriminações, você não deixa de ser um escritor generoso quando avisa o leitor, no próprio texto, que você acaba de fazer uma ironia, ou que foi cínico, ou que julgou e condenou a humanidade. Novamente, penso que é uma característica que compõe seu estilo de escrita.

Quanto ao tema em si, é algo que me desperta muita curiosidade e interesse, essa reflexão a respeito de como a internet e as tecnologias da informação, de modo geral, influenciam os hábitos, comportamentos e subjetividades das pessoas. Como você mesmo disse, as pesquisas apontam para lá e para cá e fica difícil saber se hoje lemos mais ou menos que em outros tempos.

É bem verdade que muita gente (muita mesmo) não gosta de ler nem de pensar. Mas é também verdade que muitos (muitos mesmo) lêem e pensam e escrevem um bocado. Afinal continuamos produzindo arte, cultura, livros, ciência e consumo para isso tudo.
A escassez de comentários no blogue pode ser indício de muita coisa, penso eu. Pode significar que há sim poucos leitores ou que há leitores que não gostaram e não quiseram comentar. Ou pode ser que haja leitores, que realmente não acharam que tinham algo a acrescentar, que são tímidos, que não se sentem seguros ou íntimos do autor (como você me falou uma vez, lembra?) o suficiente para dar algum pitaco. Pode ser, como foi o meu caso, que o leitor tenha lido em um momento em que não teria tempo disponível para parar e escrever uma reflexão a respeito, mesmo que tenha lido com voracidade o texto. Ele pode ter preferido voltar depois, para ler de novo, saborear, pensar um pouquinho antes de escrever qualquer bobagem. Ou ele pode, na correria que os tempos modernos lhe impõem (concordo que haja isso) realmente não voltar e comentar, por falta de tempo. E aí, curtir é mais rápido mesmo, é mais fácil, mais cômodo, serve a economia da reciprocidade, mas não significa que não haja pessoas que leiam, que leiam bastante, que leiam textos grandes e, sobretudo, que leiam, acompanhem e admirem seu blogue. Eu leio, acompanho e admiro, mesmo que, por vezes, leve dias (ou até semanas) para comentar.

Penso que, o mais provável, é que haja disso tudo um pouco: aqueles que nem chegam ao blogue, mesmo que tenham curtido a comunicação de que ele voltou ao ar no Facebook, aqueles que chegaram e não leram porque o texto era grande, aqueles que leram e não gostaram, aqueles que leram, gostaram e comentaram, os que leram, mas não quiseram, não puderam, não tiveram tempo, não tiveram coragem, etc., de comentar, etc., etc., etc.

(Ih, parece que prolixidade é mal de família, embora a qualidade de escrever com clareza não tenha sido bem distribuída, como esse comentário confuso parece atestar.)

Beijo.

Bela disse...

Resolvi apagar o comentario anterior e tentar de novo...
Acho que eu não sei me expressar no,mundo internautico.
Gostei do seu texto.

Anônimo disse...

A questão não é ler, mas sim comentar. Ao expressar uma opinião ou defender um ponto de vista, é necessário um certo tipo de conhecimento e abertura para também ser criticado. Estamos na era da inópia mental, inópia de conhecimento, onde tudo atualmente se resume a um certo tipo de saberete. Quer um conhecimento mais superficial do saber colocar o ponteiro do mouse em cima de um botao "curtir" (concordando com uma "opinião" pronta e moldada) e clicá-lo? Acho q estamos vivenciando a era da preguiça mental, onde discutir pontos de vista seja sinônimo de exposição e risco de ser taxado como burro.

Anônimo disse...

só complementando: existe uma diferença mto grande entre informação e conhecimento, no meu ponto de vista. Informação se resume a tudo q é lido, escutado, assistido, porém a partir do momento que tal informação é absorvida mentalmente (questionando-se o motivo), daí sim, a informação se transforma em conhecimento. A partir daí, a escolha é sua: ser passivo (mero repassador de informações) ou ativo (instigando o pensamento e a curiosidade humana). Bom, acho que fugi do tema. O propósito era comentar o seu texto, eu caminhei o raciocínio para uma discussão "filosófica" de leitura, comentários, emburrecimento, informações, conhecimentos... Talvez, falte-me conhecimento, mesmo que superficial, para fazer uma análise crítica do seu texto.

Juliano Machado disse...

Lívia, eu não acho que estou ficando menos prolíxo, muito menos por conta das redes sociais, que tenho usado pra divulgar o blogue. Enxuto é a idéia geral que me move em todos os textos, porque li dos grandes que é assim que se deve proceder com um texto. Provocar é parte da piada, já que conteúdo mesmo eu não tenho.

Ler Austen no original não é pra qualquer um, mas pra você eu sei que é, legal mesmo.

Quanto ao cinismo, ironia ou sacanagem, o dicionário nos reserva sempre boas surpresas, que bom que foi ao Aurelião.

beijo