Preciso de fato passar a escrever os textos para esta Bazófia na segunda-feira (ou em qualquer dia anterior à terça, ou mesmo na terça antes da análise). A questão é que escrevendo depois da análise, fica difícil não abordar algum tema lá discutido ou suscitado, como fiz na semana passada. O diabo é que acabei atrasando para escrever, de novo, e agora não consigo pensar em nada descolado de um algo que foi tratado com o psiquiatra. Enfadonho para vocês poucos leitores e para mim ter de iniciar, novamente, um escrito com um pedido de desculpas (este contrito, afinal), mas o assunto de hoje vai resvalar para a análise.
Houve, num certo momento, uma pergunta que me encabulou: do que você realmente gosta? Independente (para esta crônica) de qual era o tema, o que me fez pensar por mais de dois minutos (pagos) e depois voltar refletindo ao dirigir o automóvel foi a base da resposta dada: eu não gosto de nada. Quero dizer, não é bem que eu não goste de nada, mas gosto de algumas coisas só assim assim. Um gostar transcendente, efusivo, vitorioso, apaixonado, não é uma sensação que me seja conhecida. Mas desde quando (e agora tanto faz se quem me pergunta é o analista, o teto ou vocês, corajosos poucos leitores)? Desde sempre, desde que me lembro, desde o dia em eu perguntei para minha mãe, com cinco anos, se todos iríamos morrer de que adiantava viver (não me recordo da resposta – o que só isenta meus pais por eu ser uma pessoa tão sem graça). Eu tenho muitos livros pois gosto de ler. Tenho uma cachorra, porque gosto de cachorro. Corro a pé porque me sinto bem correndo. Bebo algumas coisas com meus amigos porque gosto de alguns amigos e de beber. Já amei, já fui amado porque amava as pessoas que me amavam (ou não) naquele momento. Mas quando olho para trás (mas sobretudo para frente e para o agora ) nada me empolga ao ponto de me sentir impelido a viver, a buscar coisas novas, ainda que sejam nas coisas velhas de que gosto um pouco.
(Abrirei um parêntese-parágrafo grande para falar sobre o presente. Drummond dizia num poema que o que importava era o tempo presente a vida presente – sou repetitivo demais, cito Drummond e citarei Sêneca, que foram ambos citados na semana passada – e Sêneca tem uma belíssima frase que diz "omnia aliena sunt, tempus tantum nostrum est": "tudo nos é alheio, somente o tempo é nosso". Para os latinos a palavra tempo era sinônimo de tempo presente, assim como a palavra amor representava amor carnal, apenas. Este tempo presente é um algo tão paralisante que mesmo tentando recompor os pedacinhos do que fui para tentar melhorar o que serei, nada consegue me dissuadir de que tudo quanto não é o agora é falso. Talvez por isso esta minha inclinação de cabeça, a tendência a melancolia, a forte sensação de que nada importa realmente. Sendo menos erudito (o que de fato não sou e ando me cansando dessa fraude que eu mesmo inventei) gostava de cantar a música do Paulinho da Viola (que prefiro na voz da Teresa Cristina): "(...)meu mundo é hoje, não existe amanhã pra mim, eu sou assim e assim morrerei um dia (...); nunca tomei parte nesse enorme batalhão, pois sei que além de flores, nada mais vai no caixão(...).". Fim do parêntese-parágrafo).
Creio que enveredei pelo tema do gostar ou não gostar de alguma coisa porque ando angustiado com isto de escrever. Eu não sinto mais vontade de escrever. Não tenho vontade de vir aqui ao computador, olhar para o ecrã em branco do Word e ter de pensar em alguma coisa para saltar na vista da Bazófia. Claro que uma vez escrito quero comentários, abraços e os louros da vitória, e é claro, também, que não sou hipócrita de dizer que escrevo para não ser lido. Mas isso tudo descamba na maldita vontade assim assim, nessa constante sensação de esterilidade, de insuficiência, de ilegitimidade. Gostava de saber o que raios as poucas pessoas que por cá aparecem vêm procurar. Mas também, sem ingenuidade: meus leitores são pessoas do meu trato pessoal, sem eufemismo, gente que gosta de mim (o que é mais impressionante do que gostarem do meu texto), portanto se escrevesse sob pseudônimo, teria dois leitores (eu mesmo e um a quem não resistiria contar que era eu). Aliás, hoje, conversando com uma leitora deste blogue (creio ainda ser) que não se manifestou desde o reinício, ela me disse que não gostou nem um pouco do último texto. Eu fiquei tão feliz. Pedi-lhe, sinceramente, que escrevesse publicamente o seu desagrado. Não sei se serei atendido, mas gostaria muito. Porque se estou enfadado de digitar as teclas juntando palavras que juntas não fazem o menor sentido, como é que ainda ouço alguns elogios pelo que escrevo? Tem pé de couve aí, mas tem mesmo.
Não me esqueço, também, que muitos cronistas (e notem que não me acho um cronista) costumam escrever coisas sobre coisa alguma (quem melhor o faz é o Carlos Heitor Cony). Cony escreve coisas sobre coisa alguma falando de tanto que o virado dá liga (há uns outros que escrevem porcarias tão grandes quanto esta que vocês estão lendo agora). Por que eu não paro então de escrever agora e diminuo a perda de tempo dos meus parcos leitores, já que acabei de admitir que escrevo um texto sobre coisa nenhuma? Prometo que não é para testar a paciência de ninguém, mas apenas porque ainda não consegui pensar no raio do título que terei de dar a este texto (que tem que sair antes da meia-noite para que eu não seja além de tudo um blogueiro mal educado). Mas vamos para o fim.
Eu não sou blasé. Nem nefelibata, porque seria muito fácil. Me sinto assim mais como um Polônio (evidentemente sem um Shakespeare a me espetar), escrevendo coisas supostamente interessantes para um blogue supostamente lido (aliás, talvez a solução esteja na loucura pura e simples, cito Polônio: "(...)uma felicidade que a loucura alcança às vezes e que a razão e a sanidade não têm chance de encontrar" – Hamlet, ato II, cena II). A frase polônica afinal vai de encontro à minha predileta dos últimos anos: " a ambiente perpétuo do homem lúcido é a angústia". Blablablá. Pronto. Acabo de publicar um texto que não diz absolutamente nada, cumpri minha obrigação marciana e torrei a paciência de quem porventura (espero que tenham sido poucos, eu juro) tenha chegado até aqui.
Desculpem-me.
p.s. – uma vez escrevi num texto (ou numa conversa, não me recordo): "(...)essa urgência incompleta, fora das coisas, fora de mim, essa angústia do fim que nem se estivesse à porta seria...". Para ver como em qualquer circunstância, sobretudo escrevendo, é possível mentir.